HOMILIA DE DOM FERNANDO SABURIDO - ABERTURA DA CFE 2016
Caríssimos
irmãos e irmãs,
Mais uma vez, Deus nos dá a graça de
reunir-nos, enquanto Regional Nordeste 2, para a abertura da Campanha da
Fraternidade. A força da unidade de nossas igrejas particulares aqui
representadas, na querida Diocese de Patos – PB, retratam o nosso esforço para
uma pastoral de conjunto, que nos garanta a superação dos desafios, confiantes
no Deus que é capaz de inclinar o ouvido para escutar o clamor do povo que
n’Ele espera e confia, como rezamos no salmo responsorial. O profeta Isaías, por
sua vez, conforme ouvimos na primeira leitura, alimenta a esperança do povo da
aliança e de cada um de nós,assegurando:”O Senhor te conduzirá sempre e saciará
tua sede na aridez da vida, e renovará o vigor do teu corpo; serás como um
jardim bem regado, como uma fonte de águas que jamais secarão” (Is.58,11). É
essa certeza da presença de Deus em nossas vidas,pessoal e comunitária, que a
quaresma nos recorda e faz por onde revigorar nosso propósito de caminharmos confiantes
na presença de Deus.
Em Levi ou Mateus, conforme o Evangelho de hoje, todos
nós nos encontramos, pois nele está o exemplo vivo de como devemos viver este
tempo quaresmal. Como ele, somos convidados/as a soltar as amarras que nos
prendem, para atender ao convite do Cristo, com a segurança de que seremos bem
acolhidos por Ele, apesar de nossas infidelidades, conforme ouvimos no Evangelho:
“os que são sadios não precisam de médico, mas sim os que estão doentes. Eu não
vim chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão”. Não nos
surpreendamos se Jesus cruze o nosso caminho e nos convide: “Vem e segue-me!
Qual será a nossa resposta? Que desculpas encontraremos para justificar a nossa
omissão: ocupação, enfermidade, preocupações familiares, negócios urgentes? Que
a disponibilidade do publicano Mateus nos motive a sermos igualmente
disponíveis ao plano de Deus para cada um de nós. O tempo da quaresma nos convida
a parar, rever nossas atitudes e mudar o rumo, caso sintamos necessidade. É
tempo de retiro espiritual, é tempo de graça!
A Campanha da
Fraternidade, como vem acontecendo, desde 1964, nos motiva à realização de
gestos concretos de amor e solidariedade.É mais uma ocasião oportuna para unirmos fé
e vida, como lembra o Apóstolo São Tiago: “Mostra-me a tua fé sem obras e eu te
mostrarei a minha fé pelas minhas obras”. Com o tema “Casa
comum, nossa responsabilidade” a 4a Campanha da Fraternidade
Ecumênica, organizada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, o CONIC, em
unidade com a CNBB, nos convoca a pensar no nosso planeta terra e unir nossas
forças, enquanto Igrejas, pela sua preservação, tendo em vista o bem da
humanidade.
Nossas celebrações, como sacramentos, são sinais eficazes, sinais da graça divina que nos vêm através de Jesus. E esses sacramentos, embora contenham em si mesmos a graça que significam, ainda mantêm uma dimensão de profecia não realizada. Em diversas ocasiões, o papa Francisco tem nos recordado que só viveremos verdadeiramente nossa vocação batismal se mergulharmos concretamente em um jeito de viver solidário aos mais carentes, como testemunho da misericórdia divina para com todos. Nossas celebrações eucarísticas devem nos impulsionar a viver, como pobres e pequeninos que somos numa verdadeira comunhão de partilha e doação, na caminhada do nosso povo, por sua libertação integral. Esse objetivo é espiritual porque pede de nós uma mística de amor e conversão no nosso modo de ser e de olhar os irmãos. E tem uma expressão social e política porque nossa caridade não pode ser meramente assistencialista. Deve ser organizada socialmente e de forma consciente. Por isso, é uma graça de Deus poder celebrar esse tempo quaresmal da forma como a Campanha da Fraternidade nos orienta.
Neste ano, o tema da responsabilidade pela casa comum une dois aspectos que o papa Francisco desenvolveu na encíclica Laudato si: o cuidado ambiental e o engajamento social. Assim, nos orienta o Profeta Amós no Lema: “Quero ver a justiça brotar como fonte e o direito correr como riacho que não seca” (Am 5, 24). Como afirma o texto base: “O profeta compara a prática da justiça com uma fonte que jorra água limpa e com um rio perene, que não seca nem no tempo da estiagem mais forte. A justiça não pode ser comparada a um rio temporário, que só tem água na época das chuvas. A justiça não pode interromper o fluxo. Não pode ser um regato que desaparece. Deve correr sempre” (TB.133). Se não cuidamos da justiça social e que, no país, todos tenham respeitados os seus direitos individuais, sociais e de saúde, até nossas celebrações se tornarão superficiais e não chegarão aos ouvidos de Deus.
O
Objetivo Geral da CF-2016 é “Assegurar o direito ao saneamento básico para
todas as pessoas e empenharmo-nos, à luz da fé, por políticas públicas e
atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro de nossa Casa
Comum”. Precisamos, portanto, sempre mais, abrir os nossos olhos e os nossos
corações à realidade de nossas comunidades mais carentes. No Brasil, a partir
da Lei nº 11.445/07,foi sistematizado o conceito de saneamento básico, como
sendo o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações de abastecimento de
água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e
drenagem de águas pluviais urbanas. “De acordo com o último Censo realizado
pelo IBGE em 2010, no Brasil, cerca de 29,9 milhões de pessoas residem em
localidades rurais, perfazendo aproximadamente 8,1 milhões de domicílios. Se a
situação já é precária no meio urbano, no meio rural brasileiro ela é ainda mais
absurda. Conforme relatório da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio)realizada em 2012, apenas 42% das moradias rurais dispõem de água
canalizada para uso doméstico. Quanto à cobertura de serviços de esgoto
sanitário, muitas habitações rurais são ainda tão precárias que sequer dispõem
de banheiros e fossas. O esgoto sanitário atende somente 5,2% dos domicílios
rurais. Em 49% das residências que têm banheiro, o escoamento ocorre por meio
de fossas rudimentares não ligadas à rede. Em 17% os dejetos são jogados a céu
aberto. A realidade rural contemporânea é fruto de sua história econômica,
política e cultural, fundada na concentração da terra, da riqueza e do uso de
recursos naturais, da escravidão, do extermínio de povos indígenas, da
marginalização das famílias e mulheres camponesas” (TB 61 a 65). O Ministério das
Cidades dispõe de recursos para o saneamento básico dos municípios. É necessário,
porém, que se apresente uma Política Municipal de Saneamento Básico, incluindo
a constituição do Conselho Municipal de Saneamento.“Cuidar da Casa Comum é
responsabilidade de todas as pessoas. É por isso que somos desafiados a
assumirmos esse compromisso de forma ecumênica. O cuidado com a criação é parte
integrante da justiça, da solidariedade e da fraternidade que Deus quer ver
entre nós. É também um jeito de louvar e agradecer a Deus. Unidos seremos mais
eficientes, mais ouvidos, dando um testemunho mais forte e cuidando melhor do
mundo e da família global que Deus nos ofereceu” TB.193).
Outro
problema ao qual devemos estar atentos é a pressão das empresas e de uma
mentalidade comum em nossa sociedade para que os governos estaduais privatizem
as Companhias de Água e Esgoto e os serviços de saneamento básico. Como pastores
e cristãos, chamados por Deus a olhar a realidade a partir das perspectivas e
das necessidades dos mais pobres, devemos estar atentos a isso e zelar para que
os serviços públicos continuem nas mãos dos Estados e não de empresas
particulares que, normalmente em nosso tipo de sociedade, só visam seus lucros
e não um serviço social ao povo.
A
escolha deste lixão para o Lançamento Regional da Campanha da Fraternidade é
bastante significativa, especialmente porque somos conscientes de que a
política de saneamento básico contempla quatro aspectos: água, esgoto, lixo e
drenagem das águas das chuvas. Muitos dos nossos irmãos e irmãs sobrevivem com
a reciclagem do lixo e dessa forma, além de retirarem daqui o sustento para
suas vidas e de suas famílias, contribuem para a preservação do meio ambiente,
assim como, contribuem para o combate à epidemia da dengue e
outras doenças, provocadas pelo mosquito aedes aegypti, com graves
consequências, inclusive, o alarmante índice de crianças nascidas com
microcefalia. Eles precisam do reconhecimento e do apoio dos governantes e
de toda a sociedade.Não podemos fechar os olhos diante dos
problemas socioambientais tão gritantes e que afetam diretamente milhares de
pessoas no nosso Estado e País. Precisamos encontrar soluções e juntos:
igrejas, poder público e sociedade civil, trabalharmos para que as mudanças
possam de fato ocorrer.
O
texto-base da CF 2016 propõe como gesto comum que, nessa Quaresma, todos nós
procuremos evitar o consumismo e fazer um dia de jejum repartindo com uma
família mais pobre o alimento daquele dia. Além desse gesto, para as nossas
dioceses e Igrejas cristãs que participam do CONIC e outras que assim o desejem,
poderíamos propor reflexões e cartazes que eduquem crianças, jovens e adultos a
assumirem, como compromisso, o cuidado amoroso com a cidade e o campo, evitando
a sujeira e consequentemente a poluição. Lutemos, com todas as forças, pela
preservação da natureza, evitando queimadas e desmatamentos. Cuidemos para que em
nossas celebrações pascais procuremos unir mais o que celebramos com nossa vida
cotidiana. Finalmente, que essa Campanha da Fraternidade Ecumênica nos ajude a
aprofundar a unidade das Igrejas que Deus quer e pede que sejamos.
Vamos
concluir com a oração da Campanha da Fraternidade Ecumênica: “Ó Deus da vida,
da justiça e do amor, Tu fizeste com ternura o nosso planeta, morada de todas
as espécies e povos. Dá-nos assumir, na força da fé e em irmandade ecumênica
(com as outras Igrejas cristãs), a corresponsabilidade na construção de um
mundo sustentável e justo para todos. No seguimento de Jesus, com a alegria do
Evangelho e com a opção pelos pobres. Amém”.
Louvado seja N S. J. C.
Dom
Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife
Presidente do REg.NE2 da CNBB
(Foto: PASCOM - Diocese de Patos/PB)
(Foto: PASCOM - Diocese de Patos/PB)
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