CRUZ: O CAMINHO DE QUEM AMA
Diz Paulo: “nós, porém, anunciamos
Cristo crucificado, que para os judeus, é escândalo, para os gentios é loucura”
(1Cor 1,23a), a compreensão estereotipada da cruz que se sobrepuja é, sem dúvida,
a dolorosa realidade que marca a finitude do homem na terra. Nesta perspectiva,
o caminho da cruz seria o do fim, o homem que vai à busca do seu nada, da
anulação da sua existência, do ponto final da sua história. É por este motivo
que anunciar Cristo crucificado soa mal aos ouvidos cuja espiritualidade ainda
é bastante materialista ou triunfalista.
Para os gentios esta pregação fere
sua busca de compreensão racional, de uma sabedoria palpável às suas
capacidades cognoscentes e à sua lógica intelectual. Perguntariam eles: esses
cristãos anunciam um fracassado?! Para os judeus, aqueles que foram mortos
suspensos no madeiro são malditos diante de Deus (Lv 21,22-23). Estes, por sua
vez, perguntariam: eles pregam um amaldiçoado?! Aqui os cristãos se deparam com
duas compreensões negativas do mistério da cruz; em ambas, nenhum bem se pode
vislumbrar de tal assombroso e cruel evento. Entretanto, o caminho que os
evangelistas apontam não é o da negação da cruz!
Nos evangelhos segundo Marcos, Mateus
e Lucas o centro irradiador da missão de Jesus é a Galiléia, lá ele escolhe
seus discípulos, anuncia a chegada do Reino, realiza diversos milagres. Outro
ponto em comum nos três evangelhos é que eles apresentam Jesus fazendo um só
caminho para Jerusalém: o caminho da cruz. Podendo ser dividida a atividade
pública de Jesus em dois momentos: o anúncio e missão na Galiléia, e sua
paixão, morte e ressurreição em Jerusalém.
O caminho da cruz adquire uma nova
tonalidade, um novo sentido, com Jesus. Ele transmuda com a sua ressurreição a
negatividade e finitude da cruz. De sorte que, a sua morte no madeiro se torna
visceral para entender a grandiosidade da ressurreição, não como eventos
separados ou antagônicos, mas como um único evento. A pregação dos apóstolos
ganha então uma fórmula testemunhal: “Matastes o Príncipe da vida, mas Deus o
ressuscitou dentre os mortos: disso nós somos testemunhas” (At 3,15). Numa
frase: Jesus é o Senhor (Fl 2,11; Rm 10,9)!
A primeira e mais profunda compreensão
da cruz é a sua identificação com o amor. Jesus diz: “Ninguém tem maior amor do
que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,12), a cruz não pode ter outro
caminho senão o do amor, cujo mistério consiste na entrega total, livre e
consciente sem esperar nada em retribuição. É próprio do amor se dar, mesmo que
nada receba. É próprio do Amor amar, mesmo que não seja amado! Na solidão da
cruz, Jesus não se afogou em mágoas, ressentimentos ou desilusões, Ele
simplesmente amou.
Qual é o nosso caminho de cristãos? É um
somente: o caminho da cruz, que é próprio de quem ama, para a restauração da
beleza! A beleza é própria da criação como reflexo do Belo, do Criador; aqui
nos deparamos com a contradição do crucificado: “não tinha nem beleza nem
esplendor que pudesse atrair o nosso olhar” (Is 53,2), na feiúra do sofrimento,
na desfiguração da dor, vamos compreendendo que a restauração do homem é
alcançada pelos méritos de Cristo. Ele venceu a feiúra do pecado para que o homem
tenha a vida na beleza da graça. O cristão deve olhar a cruz e lembrar: de
fato, estou no caminho do amor, pois “Estreita é a porta e apertado é o caminho
que conduz à Vida” (Mt 7,14), e, assim, recobro a beleza pelo Belo.
Nos momentos de maior solidão e
desalento é na cruz que encontramos o conforto necessário, que entendemos a
finalidade do sofrimento, que arrefecemos os nossos medos, que apaziguamos as
nossas paixões, pois nela todo o mistério da dor humana é transfigurado. Não é
abandonando a cruz que seremos felizes, mas é abraçando-a, tomando-a nos ombros
e trilhando o caminho do calvário, assim, ao terceiro dia, no dia da plenitude,
no dia final, seremos coroados na glória de Cristo. É possível carregar a cruz,
temos um ‘cirineu’ sempre conosco, mais disponível que o Simão de Cirene (Lc
23,26), mais amigo que qualquer outra pessoa, mais íntimo que qualquer outro:
Aquele que venceu a morte.
Muitos cristãos buscam um caminho plano e sem pedras, de glória sem
sofrimentos, de benefícios sem esforços, de ressurreição sem cruz, noutras
palavras, uma espiritualidade do triunfo sem a dor. É sinal de que ainda não sabem
verdadeiramente qual é o caminho do Amor: “Se alguém quer me seguir [...] tome
sua cruz e siga-me” (Mt 16,24b). As igrejas estão repletas de pessoas com uma
espiritualidade triunfalista, que falam da ressurreição com muito fervor,
entretanto, se esquecem da cruz, suprimem a dor, o sofrimento. Não se
compreende a ressurreição negando a cruz, da mesma forma que a cruz sem a
ressurreição seria, de fato, insensatez.
Por fim, a verdadeira
espiritualidade cristã está intimamente ligada com a cruz, não que sejamos
obcecados pelo sofrimento, mas porque nela entendemos o mistério da vida humana
e encontramos a palavra definitiva de Deus para o homem. Na cruz, Jesus disse
sim efetivamente à vida e, onde tudo parecia fim, Ele deixou transbordar a
imensidão do seu amor que abarca toda criação e faz novas todas as coisas (Ap
21,5), assim, da árvore seca, instrumento de morte, brotou o fruto bendito,
cuja mercê é a vida em plenitude.
(Joelder Pinheiro Correia de Oliveira
Seminarista do 2.º ano de Teologia)
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