HOMILIA PROFERIDA POR DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS NA MISSA DE ABERTURA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2015


Em Sua magnânima providência, Deus, nosso Senhor, reúne-nos, parcela de sua Igreja nas terras nordestinas, para refletirmos, sempre à luz do Evangelho, acerca da relação existente – com todo um aparato – entre Igreja e sociedade. Tais reflexões não deixam de ser um olhar da fé sobre o hoje do mundo e das realidades tão diversas em nosso país e que a Igreja é chamada a denunciar pelo anúncio do Cristo. Creio que as leituras proclamadas nesta liturgia são providenciais para esta percepção da importância da nossa vida de fé no chão da hodiernidade, da história, do tempo atual.
No Evangelho, temos a vocação de São Mateus, uma belíssima narrativa de São Lucas que evoca a ternura do olhar, das palavras e das atitudes do Senhor, conformes à Sua misericórdia para com o pecador Levi, ternura que invade o coração daquele cobrador de impostos e transforma-lhe a vida como espécie de processo de conversão. Tecendo acerca disto, recordo-me de uma frase de São Beda, o Venerável, ao comentar esta passagem: “Olhou com misericórdia para aquele que escolheu”. Esta afirmativa de São Beda é refletida no brasão de Sua Santidade o Papa Francisco como mote de seu pontificado.
Misericórdia. Sentimento-reflexo do amor divino e que é destinado para os que estão imbuídos na opressão do pecado: os miseráveis. Todos éramos miseráveis –inclusive Levi – eo Senhor olhou para nós, livrando-nos desta miserabilidade, saciando a nossa carência de amor. Muitos no mundo ainda continuam miseráveis, bem como a sociedade, quando não experimentaram o amor e a complacência de Deus em suas vidas. Não porque em Deus haja predileções entre crentes e indiferentes, mas porque se fecham a ação misericordiosa Dele.
Acredito que ao tratarmos da temática desta Campanha da Fraternidade 2015 – Fraternidade: Igreja e Sociedade – a Igreja pretenda falar desta urgência constante de a sociedade como um todo, sentindo o amor de Deus, poder irradiá-lo. Porém, antes deste processo, faz-se mister que, como Igreja, sejamos embaixadores da misericórdia divina, manifestando o Seu amor para tantos quantos ainda não o absorveram, principalmente pela via do diálogo, da proposição do Evangelho, fazendo jus à face servidora, samaritana, misericordiosa da Esposa de Cristo.
Jesus vem oferecer o Seu Reino a todos os homens, universal e indistintamente. Entretanto, este indistintamente pressupõe um acolhimento de Sua mensagem. Mas, quais são os endereçados desta mensagem que chamamos Evangelho? O Beato Paulo VI, em sua Encíclica ‘Ecclesiam Suam’, nos afirma: “O diálogo de salvação não ficou condicionado aos méritos daqueles a quem se dirigia; abriu-se a todos os homens, sem discriminação alguma”.
“Os que estão sadios não precisam de médico, mas sim os que estão doentes” (Lc 5,31), assevera o Senhor. E quem está doente? A sociedade está enferma; o Senhor vem para ela. Jesus vem para todos porque todos estão doentes; Ele vem como médico. Supliquemos-Lhe, humildemente,a cura dos males sociais e, como o coração humano é a raiz da sociedade, imploremos-Lhe que Ele venha curar o interior de cada homem, de cada ser social, de cada agente do mundo. Cristo é o remédio para os nossos males: temos necessidade Dele; o hoje urge por este sanativo porque clama com as suas diversas e graves feridas. É preciso que, como Igreja levemos o unguento da Sua graça para os diversos meios e pessoas onde e com os quais nos relacionamos. Estamos no mundo, e, portanto, na sociedade, permitamos, façamos uso da misericórdia de Deus que cura o nosso egoísmo se consentirmos que ela se entranhe até o fundo da nossa alma.
Nossa colaboração, o serviço da Igreja à salvação do mundo, que trilha a senda do diálogo, deve partir do diagnóstico das enfermidades da sociedade. A conscientização do nosso povo acerca das dificuldades a enfrentar e das ‘pan-realidades’ do mundo, a priori apresentadas a Deus como oração e em oração, bem como o nosso agir para que na sociedade brilhe a luz de Cristo em vez das trevas do pecado, é a sinceridade absoluta dos nossos avanços e carências diante do Divino Médico. Proponho que, como ocasião de oração nesta Quaresma, pautando-nos no serviço da caridade a tantos, imploremos sempre a Deus: “Observai, Senhor, a nossa sociedade e suas mazelas, suas graves enfermidades. Senhor, se quiserdes – e sempre o quereis – podereis curá-la. Vós, bem melhor do que nós, porque conheceis tudo profundamente, sabeis a nossa debilidade, as carências do mundo presente. As chagas de nossa sociedade estão purulentas pela divisão, pelo ódio, pela perversidade de costumes, de imoralidades, de ambição, de vaidade, de enganação (inclusive usando do vosso Sacratíssimo Nome). Se sois o médico, fazei que sejamos, com o nosso testemunho e ação cristãos, o vossos auxiliares no tratamento desta quase moribunda sociedade!”
Estamos na Quaresma. Costumamos entoar uma canção que retrata com justeza o que a Igreja espera do tempo litúrgico: “Eis o tempo de conversão; eis o dia da salvação: ao Pai voltemos, juntos andemos! Eis o tempo de conversão”. Converter-se é, desde o Antigo Testamento, um chamado permanente de Deus. Converter-se para que? Para ser amigo de Deus, para estar no Seu convívio já neste mundo. Com a redenção operada por Jesus, este chamado acentuou-se grandemente porque, pela conversão, mudança de vida, alcançamos a morada e o reinado de Deus, o sacro convívio com os santos no céu. Portanto, conversão é caminho para a salvação, mas o é porque é chamado primeiramente. “Eu não vim para chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão” (Lc 5,32), assevera-nos Jesus. Este chamado deve ressoar na sociedade como um forte pregão de nossa parte. Se Deus chama-nos à conversão é porque nos dá as oportunidades de retornarmos ao Seu amor. Quando o mundo ouvir tal convite, descobrindo o caminho do amor, com certeza descobrirá o sentido nobre e único de tudo quanto existe: Deus, que quer nos dá a todos a Sua felicidade. Como Igreja, arautos da Esperança, este deve ser o nosso serviço eminente à sociedade, utilizando como ferramenta a luz do Evangelho vivido e, por isso, anunciado.
Vejam a mensagem da Primeira Leitura. Num primeiro momento, destinada a nós, individualmente, mas que não deixa de conter um cunho proposto a sociedade. Sim, porque, como seres e agentes sociais, o encargo de conversão do mundo deverá ser iniciado no coração de cada homem e de cada mulher, subjetivamente. E a partir do que é subjetivo, individual, espalhar-se-á para o social. Diz-nos o Profeta Isaías: “Se destruíres teus instrumentos de opressão, e deixares os hábitos autoritários e a linguagem maldosa; se acolheres de coração aberto o indigente e prestares todo o socorro ao necessitado, nascerá nas trevas a tua luz e tua vida obscura será como meio-dia” (Is 58,9b-10). O segredo para uma mudança de mentalidade social está na justiça, e a mãe desta virtude cardeal é a caridade.

Meus irmãos e irmãs, todo o amor nasce de Deus, aponta para Ele e volta para Ele. O amor de Deus, eloquentemente, é manifestado no mistério da cruz de Cristo. Que a partir deste tempo especial da Quaresma, na vivência do seu tríptico – oração, penitência, esmola – procuremos imitar os sentimentos do Senhor, buscando construir um mundo mais repleto de Sua graça, como servidores de Cristo na verdade do Seu Evangelho.

Ginásio CAIC – 21 de fevereiro de 2015

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