A VOCAÇÃO E A MISSÃO DA FAMÍLIA NA IGREJA E NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
O mundo
encontra-se alardeadamente mergulhado em confusões e desafios que tentam minar
toda estrutura e conceito que a família cristã sempre embutiu em si, e que, nestes
dois milênios, têm sido decisivos para o saudável ordenamento social. Que o
pecado – também proveniente do contexto social – tem buscado afligir as bases
da família não é mais novidade. Porém, é preciso que, numa razão crítica,
investiguemos (se bem que já o saibamos) de onde provêm as mazelas que ofuscam
a vida familiar ou, o pior, que a desviam.
Sem muitos
esforços, detectamos que um dos vilões de uma família coerente com o Evangelho
de Jesus é, sem equívoco, os meios de comunicação social. Televisão, rádio,
internet – o que incluímos as redes de relacionamento social – privam a família
de si, ou seja, dos seus componentes. Se até meados do século passado, as
famílias se reuniam em torno a si, também no intento dos valores religiosos,
morais e éticos que nascia de uma base de diálogo entre os seus integrantes, o
que adicionamos à práxis religiosa de rezar juntos, de abençoar e agradecer ‘a’
e ‘pela’ mesa, de ser constituída pela ‘cultura do encontro’, hoje, a família
existe como um simples aglomerado de pessoas que mal se entreolham, tampouco
dialogam, dando margens profundas ao individualismo e se acerba na vida dos
integrantes que se auto-intitulam família.
Com igual
gravidade, percebemos o afã que os meios de comunicação em quase totalidade
possuem de inaugurar conceitos inéditos e perigosos para a família. Ao apregoar
o relativismo e seus consequentes modismos, a imprensa cumpre uma ditadura
ideológica traiçoeira, que possui como intenção acabar com a família
estampando-a diferentemente dos conceitos religiosos sérios, principalmente com
o que a religião cristã ensina. Com razão, vocês podem me perguntar: e qual a
finalidade de alçar a sociedade ao colapso? O domínio ideológico sobre tudo e
sobre todos é algo rentável? Não necessariamente. Pelo menos não consigo
visualizar isto. Mas, é, antes de qualquer coisa, uma perversão ao plano de
Deus, fruto do pecado, tal como a serpente do Gênesis tragicamente preconizou:
"E sereis como deuses!” (Gn 3,5).
A subversão
à santidade pessoal do homem está atingida pelos rumos que o seu berço,
enquanto indivíduo humano e, por isso, enquanto ser social, tem tomado. A falsa
sensação de querer ser como um deus, numa proposta irresponsavelmente
intimista, derrocará o homem num vale profundo chamado vazio, num processo de
falsa liberdade. O “sê livre e faze o que quiseres” é um lenitivo engano que,
paradoxalmente, nunca preencherá o homem. E, se o homem se esvazia do que é do
Alto, do que é perene, sublime, e, portanto, verdadeiro, cai no pecado, e,
todas as esferas às quais ele se imiscui tornam-se fadadas ao vazio que o
indivíduo possui. Neste vazio também incorrerá as suas relações, também a
familiar. E a família desprover-se-á de seu sentido. E, de lugar consentâneo à
santidade, a família tenderá a tornar-se um apinhado de pessoas vazias no
relacionamento e indiferentes entre si.
Ao dialogar
com o mundo, a Igreja salvaguarda a verdade do seu Divinal Fundador; Daquele
que disse de Si mesmo: Eu Sou a Verdade […] ninguém vai ao Pai senão por mim
(Jo 14,6); tal como se dissesse: ninguém terá êxito de si mesmo se não for por
Mim e por meio de minhas verdades eternas; eternas porque imutáveis; eternas
porque sempre estiveram no regaço de Deus, na vida intra-trinitária. A
dogmática da Igreja é e sempre será perene por ter sido revelada pelo próprio
Deus. Somente a Sã Teologia revelará com justeza a identidade e a missão da
família cristã, tal como um dado objetivo, garantido pelo próprio Deus, com a
fidalguia que lhe é inerente. Então, para os que são católicos e vivem na confusão
apregoada pela mídia, valerá o princípio lógico-aristotélico da
não-contradição, apadrinhado por Santo Tomás: o ser é e nunca poderá deixar de
ser. E justamente tratamos como ser porque a verdade, no nosso caso, não é uma
teoria fadada ao descrédito por ser ultrapassada, mas é o próprio Jesus,
Sabedoria de Deus, Deus mesmo.
Ao nos
propor no Evangelho o que sempre foi sonho de Deus para o homem e a mulher, e
como o Matrimônio é algo tão santificado que foi elevado à categoria de
Sacramento, tendo em vista que foi a única bênção não “abolida nem pelo castigo
do pecado original, nem pela condenação do dilúvio” (Ver: Bênção Nupcial),
Jesus deixa este mesmo ensinamento para a Igreja, a fim de que ela,
continuadora da missão divina de Seu amado Esposo e Fundador, sempre
resguardará a doutrina do Matrimônio, com algo sempre atual. Isso porque, tal
como Deus é perene, a Sua Palavra e Sua vontade também o são, nunca sendo,
portanto, relegada, à caduquice.
Para que a
família redescubra e reviva a sua identidade e a sua missão, é necessário que
ela se fie em tudo quanto, a partir de Jesus, a Igreja tem orientado – sob
influxo do Espírito Santo, na sucessão dos seus pastores remontada aos
Apóstolos –, sabendo que nos momentos da história em que algum problema
despontou a tirar a paz de seus fiéis, a Igreja nunca cessou de ser lume da fé
para os seus corações.
Queridos amigos, o
plano de Deus, e, portanto a verdade, caracterizam-se pelo que é retilíneo e o
próprio Jesus bem o dissera: “Desde o princípio da criação, Deus os fez homem e
mulher. Por isso, deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher; e os dois
não serão senão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne” (Mc
10,6-8). Portanto, desde a criação, ‘hiper-dignificada’ e explicitada por Nosso
Senhor Jesus Cristo e transmitida à Igreja, a vocação e a missão da família,
não só no ontem ou no hoje, mas sempre, serão as mesmas: aquilo que o Evangelho
e o Gênesis trazem como conteúdo doutrinal e simultaneamente pastoral para
todas as épocas: e Deus os fez homem e mulher que serão uma só carne. E, neste
ser uma só carne, no transbordamento do amor de Deus, que se encarna também na
vida matrimonial através da cumplicidade dos cônjuges, há uma abertura para
vida... um amor que é capaz de frutificar em um novo ser: os filhos, que a cada
nascimento, se traduzem numa nova aposta de Deus na Sua criação. Eis a vocação
e a missão perenes da família!
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo Diocesano de Palmeira dos Índios
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