Missa Solene da Festa de Nossa Senhora do Amparo


HOMÍLIA DA SOLENIDADE DE MARIA, MÃE DE DEUS - D. DULCÊNIO FONTES DE MATOS
(01 de janeiro de 2012 – Missa Solene da Festa de Nossa Senhora do Amparo)

         Excelentíssimo e Reverendíssimo Dom Hildebrando Mendes Costa, Bispo Emérito de Estância;
         Reverendíssimos sacerdotes e diácono;
         Caríssimos seminaristas;
         Digníssimas Religiosas;
         Excelentíssimo senhor Prefeito Municipal;
         Excelentíssimos vereadores e demais autoridades civis e militares;
         Queridos irmãos e irmãs

        
         Encerrando os oito dias de festividades do Natal do Senhor, ao tempo em que vivenciamos o primeiro dia do Ano Novo, a Santa Igreja nos propõe a olharmos o mistério da Divina Encarnação e contemplarmos a Bem-Aventurada Virgem Maria como Mãe de Deus. Em nossa Igreja Particular de Palmeira dos Índios, a Virgem Senhora Mãe de Deus é cognominada Nossa Senhora do Amparo, o que não ofusca a Maternidade Divina da Virgem Maria – antes, a endossa, já que a sua veneranda imagem, duas vezes secular, que vela deste altar como sinal de celeste intercessão, representa esta íntima ligação existente entre Maria e o Deus que ela, majestosa e humildemente, porta no seu braço.
        
         Caríssimos, a Senhora do Amparo é a Mãe de Deus. Sua imagem nos remete ao Natal, pois contemplamos uma Virgem parturiente que nos apresenta o seu Doce Rebento, Jesus, o Verbo Encarnado, fruto de uma intimidade espiritual de Maria e o Pai, bem como a eleição de Maria por Aquele que se dignou enviar o seu Unigênito. Na bi-secular imagem de nossa padroeira se acha representado um Divino Mistério que a Igreja não entende, mas piamente crê, e, por este motivo, se curva: uma criatura toda especial, é certo, mas criatura que carrega em seu braço, como que em acalanto, o seu Deus, Senhor e Criador, já que “Por ele tudo foi criado” (Col 1, 16). Que admirável e insondável mistério, meus irmãos!
        
         Nestes dias de Natal – em especial ontem, nas Primeiras Vésperas da Solenidade de Maria, Mãe de Deus, na celebração da Liturgia das Horas, a Igreja (e nós com ela) cantava, exclamando: “Ó Admirável intercâmbio! O Criador da humanidade, assumindo corpo e alma, quis nascer de uma Virgem. Feito homem, nos doou a sua própria divindade!”. Sim, irmãos, o intercâmbio entre Deus e a humanidade, espacialmente, acontece no seio de Maria, Mãe de Deus, a Senhora do Amparo. E mais! Pessoalmente, na vida da “Menina de Nazaré” acontece um “admirável intercâmbio”: Maria, com o seu ‘sim’ e a sua consequente atitude de gestação concretiza em seu corpo, e a partir dele em todo o seu ser, uma entrega a Deus; este, por sua vez, ao ouvir o sim-entrega de sua Criatura Predileta confia-se, em cuidados filiais, àquela que, antes, havia se dignado criar. Acontece, como bem afirma São Bernardo de Claraval em louvor a Virgem Mãe: “Apressa-te, ó Virgem, em dar a tua resposta; responde sem demora ao Anjo, ou melhor, responde ao Senhor por meio do Anjo. Pronuncia uma palavra e recebe a Palavra; profere a tua palavra e concebe a Palavra de Deus; dize uma palavra passageira e recebe a Palavra eterna”. É graças a toda esta multiplicidade e unicidade de mistério que Maria engrandece o Senhor e o seu espírito rejubila em Deus, seu Salvador (cf. Lc 1, 46), ou seja, louva o que a criou e que, naquela hora, porta em seu coração e em seu seio, alegrando-se Nele. E, por tal interferência em sua vida, ainda prorrompe no seu Magnificat: “Bendita me chamarão todas as gerações” (Lc 1, 48).
        
         “Salve, ó Santa Mãe de Deus, vós destes à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos eternos”, tal como exclama a Antífona de Entrada trazida pelo Missal para esta celebração. Nesta Solenidade, a Igreja não localiza os seus louvores em Maria, mas no Deus que ela, filial e maternalmente, carrega. E, a partir da Divindade, pelo Deus que ela porta, não por méritos próprios, mas pelos de Cristo, seu amabilíssimo Filho, é que voltamos o nosso olhar para ela, transbordando ternura e devoção.
        
         Na Liturgia da Palavra, mais precisamente na Primeira Leitura, temos a ordem do Senhor que, por Moisés, é transmitida a Aarão e a seus filhos, ou seja, a casta sacerdotal de Israel, para a bênção do povo. Os sacerdotes de Israel abençoavam o povo, invocando sobre ele o nome do Senhor (cf. Nm 6, 27) com uma fórmula ternária em cujo conteúdo e faziam presentes o Santo Nome e votos de graça e de paz: “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e se compadeça de ti! O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (Nm 6, 24-26). Na literatura bíblica do Antigo Testamento, o nome, não somente evoca, mas simboliza a pessoa. Logo, na mentalidade de Israel Antigo, o Senhor está presente e atua com graça e prosperidade onde quer que O invoquem e na vida de quem O invoca. Este pensamento não está de per si errado. Porém, não achando suficiente o simbolismo que o seu nome embute, nome este que traz bênção, proteção, misericórdia, paz, enfim, tantas outras benesses de espírito para quem o pronuncia, Ele quer fazer-se muito mais próximo a nós; num escandaloso movimento, ele se encarna, fazendo-se um de nós.
        
         Antes, se tantas maravilhas o seu nome já operava, o que diremos agora em que está presente, não simbolicamente, mas de fato? Ele, o Deus-Conosco, garante a humanidade todas as riquezas que a salvação possa abarcar, inclusive a filiação adotiva: “Quando se completou o tempo previsto (ou seja, na “plenitude dos tempos” – Ef 1, 10), Deus enviou o seu filho nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva” (Gl 4, 4).
        
         Se o nome do Senhor faz maravilhas, como nos diz o Salmo, em paráfrase, o que diríamos de sua presença? Mas como disso tudo? São Paulo nos responderá: “Tudo isso por graça de Deus” (Gl 4, 7). Não porque merecêssemos, mas por graça. E quem é a Graça senão Jesus? “A graça e a verdade nos vieram pelo Cristo” (cf. Jo 1, 17). Maria é portadora desta graça, carregando-a no coração, nos braços, enfim, na vida de maneira única.
        
         Maria-Mestra, a Senhora do Amparo, carrega a Graça-Jesus e a apresenta para nós, filhos pelo Filho, como nos rememora a Carta aos Gálatas. Maria, portadora da Graça Singular, e, por isso Plena de Graça, acopla o seu singelo e doce nome ao Nome do Filho. Aqui, recordo-me do trecho de um canto devocional a Nossa Senhora muito conhecido: “Maria, teu lindo nome é todo encanto e luz. Quando eu te chamo, ó Maria, tu, logo, chamas Jesus”. Assim sendo, para nós católicos, o bem-aventurado nome da bendita Virgem Maria é uma espécie de prefixo que nos remete ao Salvador. Sim, Maria melhor do que ninguém sabe da carga máxima de sentido que o nome de seu Adorável Filho possui. Jesus significa “Deus salva”. Nome e missão se coadunam. E o Evangelho de hoje tem por desfecho: “Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo anjo, antes de ser concebido” (Lc 2, 21). Portanto, se no dia 25 de dezembro comemoramos e vivenciamos litúrgica e misticamente o Nascimento do Filho de Maria, o Verbo eterno do Pai, o Salvador do gênero humano, hoje, primeiro de janeiro, litúrgica e misticamente vivenciamos a imposição do nome Jesus sobre o Menino do Presépio, designação que reflete a sua missão recebida do Pai antes de todos os séculos, eternamente presente no desígnio divino.
        
         A ação de circuncidar, na Lei judaica, representava a consagração daquele menino (posteriormente homem) ao Senhor; é sinal de pertença. Na celebração de hoje, recordamos o ofertório que Maria faz de seu filho a Deus, ele que é Deus: Deus é ofertado a Deus, qual profundo é este mistério! O Menino é ofertado, é apresentado como Salvador: Jesus, Deus Salvador, é o seu nome.
        
         Maria é instrumento de Deus que, dentre tantas formas, acena para o Filho. Ao impor o nome em seu Rebento, ela o manifesta, apontando o seu poder salvador para o mundo. O que antes estava escondido e velado no seio da Trindade, ou seja, o rosto salvador do Verbo, Maria nos apresenta, pois ela O recebeu do próprio Deus por meio do Anjo: “Eis que conceberás e darás à luz a um filho, e o chamarás com o nome de Jesus” (Lc 1, 31). Maria, cujo nome significa “amada” apresenta-nos a Salvação, tal como se nos presta a sua imagem a quem, em um profundo misto de carinho filial e devocional, apelidamos “Senhora do Amparo”. Ela expõe o seu “Jesus, Salvador dos Homens”.

         Se temos diante de nós esta figura de Maria, que não apresenta ao mundo apenas o nome divino, mas o traz corporalmente demonstrando-o ao mundo, qual relação poderíamos fazer da Soberana Senhora com a Igreja? Se em Maria, o Senhor torna-se corpo, na Igreja temos o corpo do Senhor, pois ela é o “Corpo Místico de Cristo” (1Cor 12, 12) do qual somos membros. Maria não carrega apenas em si o Nome do Senhor, mas leva, em seu imaculado ventre para isso preparado, o Verbo Encarnado; a Igreja não apenas fala de Deus ou do seu nome, mas ela o gera através dos sacramentos para o mundo. Tanto é grande a ligação existente entre Maria e a Igreja que o Apocalipse já vislumbrava: “Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz” (Ap 12, 1-2), e ainda: “Ela deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações [pagãs] com cetro de ferro. [Mas seu Filho] foi arrebatado para junto de Deus e do seu trono” (Ap 12,5). A Igreja é como Maria: uma Virgem desposada com o seu Deus e o apresenta para o mundo.
        
         Neste ano de 2012, a nossa Diocese, parcela da Igreja Universal, completará o seu Jubileu Áureo. Cinqüenta anos manifestando Jesus neste agreste e sertão alagoanos. Cotidianamente, pelos seus ministros e fiéis, seja pela liturgia seja pela caridade, a Igreja está prenhe de seu Deus e o dá ao mundo. O “Admirável intercâmbio” também acontece aqui: a Igreja, por meio de seus filhos, se dá ao Pai, e, desta entrega oferente, recebe o Filho que é doado pelo Pai, ao tempo em que este se imola e se entrega ao Pai pela Igreja, e com este ‘divino comércio’, Jesus, pela Igreja, dá “Vida ao mundo”. Quantos leigos, religiosos, sacerdotes e bispos doaram, como membros da Igreja-Esposa de Cristo, e, assim, o manifestaram ao mundo?

         Que a Mãe e Padroeira de nossa Igreja Diocesana, a Imaculada Senhora do Amparo, se antecipe em nos dar o seu exemplo de serviço de amor e proclamação deste Deus que nos advém diariamente pela escuta da Palavra, pela prática da Caridade, pela vida de Sacramentos, enfim por meio de sua Igreja, para que, instruídos por ela, que, tal como Maria, é Mestra e Mãe, possamos gozar da bem-aventurança eterna, onde nos encontraremos definitivamente com nosso Pastor e Deus que vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém!


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