BÍBLIA: MENSAGEM DE DEUS

                                                            D. Dulcênio Fontes de Matos*

        
  O mês de setembro é o mês da Bíblia, como já sabemos, tendo em vista a celebração litúrgica de São Jerônimo (no próximo dia 30), santo que viveu no século quarto e foi um grande estudioso, comentador e tradutor para a língua latina das Sagradas Escrituras.

Neste tempo, de maneira especial, se faz, para nós cristãos, uma oportunidade a mais para colocarmos em prática o estudo e a vivência da Palavra de Deus. Falamos de leitura e vivência da Palavra porque a primeira atitude sem a segunda se torna algo estéril; concomitantemente, para uma melhor vivência das Escrituras, faz-se imprescindível conhecê-la, estudando-a. Assim como Maria era toda impregnada pela Palavra de Deus e a observava com inteireza, todos os santos de todas as épocas, inspirados por esta mesma Palavra, realizaram grandes coisas colocando em prática este código de vida. 

O viver a Palavra é anunciá-la com tenacidade. Hoje, mais do que nunca, muitas vozes tentam apagar aquela chama que crepitou nas vidas dos santos, ou seja, os divinos ensinamentos contidos na Bíblia, julgando tais preceitos ultrapassados, superados pela ótica do relativismo, esta mesma Palavra que, através da historia, tem revelado, transformado e consolidado a vida de homens, mulheres e crianças em todos os tempos pela fé. Cabe, no entanto, a cada um de nós, buscarmos no Livro Sagrado, a Palavra que não passa, que liberta e salva, porque ela é a Verdade: a Palavra de Deus eminentemente é o Cristo que nos fala do Pai e de Si pelas Escrituras: “A lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma; a ordem do Senhor é segura, instrui os simples. Os preceitos do Senhor são retos, deleitam o coração; o mandamento do Senhor é luminoso, esclarece os olhos” (Sl 18,8-9). É ainda percurso para se chegar a Deus: “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida, ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6).

          Com a vinda de Jesus, temos a magnânima revelação de Deus. Ele continua se revelando à humanidade, com a nossa linguagem humana: o divino que vem ao que é fugaz, limitado, humano. Mas, é em Jesus que esta revelação acontece de maneira plena, inaudita: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas” (Hb 1,1-2); “Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1,18). Compreendemos que é através do Cristo que foi constituída conosco uma “Nova e Eterna Aliança”, um Novo Testamento, passando nós de povo a filhos de Deus, irmãos uns dos outros, pelo Filho, o Verbo, Palavra encarnada.

          A Palavra de Deus orienta a Igreja, que é guardiã deste mesmo ‘tesouro’, revelando-a como “Palavra da Salvação” (At 13,26), “Palavra de vida” (Fl 2,16). A Igreja nasce por força da Palavra do Senhor Jesus, ao tempo em que é por mandato divino que a Esposa fala do Esposo (cf. Mt 28,20), ou, como nos diz o Vaticano II: Ele [Jesus] lhe “deu vida pregando a Boa Nova” (LG 5).

A Igreja de Cristo possui como uma das notas que a identifica a apostolicidade. Ainda no quarto século da era cristã, Santo Agostinho, acenando a atividade missionária dos Doze Apóstolos, afirma que eles “pregaram a Palavra da verdade e edificaram as Igrejas”, conforme lembra-nos o Vaticano II (cf. AG 1), memorando o Bispo de Hipona. Cada comunidade sempre nasce e cresce pelo anúncio e pela acolhida da Palavra (cf. 1Tm 1,5-10), que é força, potência de Deus (cf. 1Cor 1,1). Ao viver a Palavra com a radicalidade da fé, Cristo se forma em nós ao mesmo passo em que nos desenvolvemos numa espiritualidade de comunhão. Jesus, “o Verbo que se fez carne” (Jo 1,14), montou a sua tenda entre nós, porque está sempre conosco, inclusive pelo sacramento que é a Sua Palavra (cf. DV 21). Neste mesmo sentido, ainda Santo Agostinho dirá: “A Palavra de Deus é uma presença de Deus”. Logo, sendo a Bíblia o livro do povo de Deus, a Palavra contida nela somente poderá ser acolhida e vivida plenamente no âmbito do povo de Deus, da Igreja, Corpo Místico de Cristo.

 A Igreja de Cristo é a única que possui a autoridade para interpretar esta mesma Palavra de Deus; ninguém pode privatizá-la para seu próprio uso e consumo exclusivo, porque permanece sempre como patrimônio comum. Mesmo quando se lê por conta própria a Palavra de Vida e de Salvação, nunca deveremos decodificá-la ao nosso bel prazer, mas sempre em comunhão com a Igreja, Mãe e Mestra: “Nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal” (2Pd 1,20). Aqui está o valor da Tradição e do Magistério: a primeira, entendida como comunhão ininterrupta dos fiéis que, em conjunto recebem da Igreja o dom da Palavra revelada, sem exauri-la e que é devidamente interpretada pelo Magistério da Igreja através dos seus pastores. Escritura, Tradição e Magistério são, portanto, a mesma Palavra de Deus, por conterem a Revelação, trazendo-a a nós.

          Diante do que foi colocado, vem-nos a pergunta: O que fazer para que a Palavra crie entre nós uma comunhão? É muito simples: basta fazer circular estre as pessoas as experiências da Palavra de Deus vividas por cada um de nós. Assim, contribui-se para o crescimento do Corpo de Cristo e se dá a oportunidade para que a Palavra realize aquilo pela qual é dada: a unidade. A comunhão exige ser alimentada pela leitura e vivência Palavra que se traduz em obras de fé, sempre iluminadas pelo que nos diz o Senhor: “Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tg 2,26). A fé é o princípio de vivência pessoal e fonte de comunhão entre as pessoas, formando na unidade toda a Igreja. Por fim, a Palavra vivida com radicalidade faz nascer Cristo em cada um e faz de todos o único Cristo, ‘cristificando-nos’.

                                         *Bispo da Diocese de Palmeira dos Índios

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