HOMILIA
PARA A MISSA CRISMAL
(Catedral Diocesana de Palmeira dos Índios, 17
de abril de 2014)
Queridos irmãos e
irmãs! A minha saudação a todos os que se encontram em nossa Catedral para este
momento singular, tal como se constitui a Missa dos Santos Óleos para uma
Igreja Diocesana;
Hoje, com esta
missa, ao abençoar os santos óleos do Batismo e dos Enfermos e confeccionar e
consagrar o Santo Óleo do Crisma, quero estreitar estas minhas palavras ao meu
clero... Queridos irmãos sacerdotes e diáconos,
Acabamos de escutar
no Evangelho de Lucas, a belíssima passagem da ida de Jesus a Nazaré onde o
Senhor, proclamando a profecia de Isaías para os seus concidadãos, esclarece esmiuçadamente
acerca da Sua missão de Cristo, de Messias, de Ungido: “O Espírito do Senhor
está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos
pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a
redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos,
para publicar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
Ao fazer uma análise
teológica e histórica da vida de Jesus, com certeza averiguaremos que a
Profecia de Isaías sobre o Messias e a sua missão libertadora e anunciadora,
aplica-se ajustadamente a vida do Senhor: Isaías vê Jesus. Poderíamos ousar em
afirmar que este foi o programa de vida de Cristo, que, repleto do Espírito do
Senhor, e, portanto, Ungido, “passou pelo mundo fazendo o bem” (At 10,38),
ocupando-Se das coisas do Pai (cf. Lc 2,49). Enfim, que Jesus soube viver a fidelidade
ao Pai, sendo fiel à missão confiada pelo Pai ao Filho. Admirando a fidelidade
de Cristo, somos instados por nós mesmos para olhar-nos, para constatar o nosso
serviço ordenado. Sim, nosso. Mas que, primaria e simultaneamente, é serviço de
Cristo em nós, que portamos indignamente a graça do Sacramento da Ordem, porque
não o merecemos, porque “temos este tesouro em vasos de barro, para que
transpareça claramente que este poder extraordinário provém de Deus e não de
nós” (2Cor 4,7). Assim sendo, quero refletir com vocês sobre a nossa fidelidade
a Cristo tendo como medida a Sua graça.
Na Segunda Carta de
São Paulo a Timóteo, encontramos um conselho que soa como um imperativo para o
Bispo Timóteo: “Tu, portanto, meu filho, procura progredir na graça de Jesus
Cristo” (2Tm 2,1). Sabemos a capacidade que comporta o verbo progredir, que,
superando uma mera ideia de permanência, impulsiona-nos para a compreensão de um
desenvolvimento na graça de Cristo. Este é o magno convite, a grande intenção
de Paulo para o seu interlocutor Timóteo, e porque não dizer também, a grande
exortação em todos os tempos da Igreja para os seus filhos, o que não exclui os
seus ministros ordenados. O caminho da fidelidade ao Cristo passa,
obrigatoriamente, pelo crivo da Graça. E novamente lhes digo que este caminho
de fidelidade não se dará por uma mera permanência na Graça, como que inerte,
passivamente. Não! O caminho da fidelidade a Jesus passa pelo crescimento na
Graça de Deus tal como Jesus protagonizou segundo o relato lucano: “E Jesus
crescia em estatura, em sabedoria e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc
2,52). Santa Teresa d’Ávila afirmava e aqui parafraseio: No caminho da graça,
se pararmos, se estacionarmos, regrediremos, porque a Graça deve ser crescente
em nós e nós desenvolvidos nela, sem perdemos um só instante.
Esta fidelidade
primada pela Graça deve ser o sentido e prazer da vida do cristão, e, por isto,
da vida do consagrado pela Ordem, porque entendemos como Graça esta comunhão
perfeita do homem com Deus, já iniciada nesta terra de exílio, e concretizada
de uma vez para sempre na feliz eternidade, quando nos perderemos em Deus para
encontrarmos a nós mesmos, encontrando Deus, quando, mergulhados em seu amor,
bastar-nos-emos Nele. Permanecer fiel “Àquele que nos chamou” (1Ts 5,24) é,
trocando em miúdos, crescer na amizade com Ele, dando-Lhe provas de que
queremos estar sempre com o Divino Amigo, de que não temos sentido de vida
senão Ele; que Ele é nosso tesouro: “Um amigo fiel é uma poderosa proteção:
quem o achou, descobriu um tesouro” (Eclo 6,14); “Respondeu-lhe Simão Pedro:
‘Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens as palavras da vida eterna’” (Jo 6,68);
“Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração” (Mt 6,21; Lc
12,34).
Este crescimento na
amizade com o Senhor, na Graça, na fidelidade a Deus passa, necessariamente,
pelo aspecto interior, o que não exclui um coração indiviso para com Ele, com
uma exclusividade premente. “Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando.
Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas
chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai” (Jo
15,14-15). Deus nunca se furtou a nós, sempre esteve aberto à nossa amizade.
Comiserou-se pelo gênero humano. Manifestou-se a nós, igualando-se à nossa
pequena natureza; elevou-nos a Ele, a sua divindade: por que nos furtamos de
Deus, de sua amizade, de seu carinho? É caminho de fidelidade ao Senhor, é
demonstrativo de nossa amizade para com Ele permanecermos naquilo que Ele nos
pede: “Fazer vossa vontade, meu Deus, é o que me agrada, porque vossa lei está
no íntimo de meu coração” (Sl 39,9). A amizade, o sentimento de fidelidade para
com Deus passa pela ilibação de vida, pela integridade moral, pela observância
do que nos é proposto, querido pelo nosso grande Amigo: “Nisto conhecemos que
amamos os filhos de Deus: se amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos. Eis
o amor de Deus: que guardemos seus mandamentos. E seus mandamentos não são
penosos, porque todo o que nasceu de Deus vence o mundo” (1Jo 5,1-4); “E Deus
disse a Abrão: ‘Anda em minha presença e sê íntegro’” (Gn 17,1).
Chama-nos a atenção
um verbo muito presente nos escritos paulinos da prisão: suportar. Com tal
termo, é-nos perceptível que a caminhada para a fidelidade, para o crescimento
na Graça é árdua, sofrida, mesmo sendo os mandamentos do Senhor leves, não
pesados. O que nos pesa na fidelidade a Deus são os assaltos, os sustos que o
mundo nos impõe, nos apresenta. Suportar é a saída subjetivamente violenta para
o bom êxito nas sendas da fidelidade. Suportar é ainda uma oferenda a Deus de
eloquente valor, pois santifica a quem padece e é de valia para outrem como um
sacrifício aplicável. Com isto quero frisar, caros irmãos, que a fidelidade a
Cristo é o patamar primeiro da nossa adesão incondicional a Ele, porém não se
basta aí. Ser fiel a Cristo é ser fiel a Igreja, é ser fiel aos irmãos que nela
estão congregados. Justamente nesta ordem: fidelidade por amor a Cristo, à sua
Igreja, ao seu povo. Se faltar um destes elementos esta fidelidade não será
exata. Piorará se trocarmos esta ordem. Cabe-nos sempre a auto-reflexão: Por
que somos fiéis? Por causa de quem vivo nesta fidelidade? Sendo bem certos de
que as fidelidades à Igreja e ao povo são secundárias porque emanam da
fidelidade a Cristo. Não como realidades distintas, mas muito bem conjuntadas.
Assim como não há Igreja sem Cristo, Cristo é mutilado se não há a Igreja, Seu
Corpo Místico, cujos membros são o Povo de Deus. Se Cristo não for o radical da
nossa fidelidade, seremos tudo (assistentes sociais, solteirões, filantrópicos,
funcionários do divino...), menos seus ministros. É justamente esta fidelidade
a Cristo que passa pela renúncia, pelo suportar adversidades que a nossa vida torna-se
‘temperada’, com o apurado ‘sabor de viver’. A fidelidade passa pela cruz, pela
cruz do Senhor; e nisto seremos lembrados pelas celebrações do Sacro Tríduo
Pascal. Assim Ele nos prometeu, não nos garantindo vida mansa, ou, utilizando
um termo do epicurismo, uma ataraxia, mas tendo nas dificuldades a prova da
nossa fé: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou
irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do
Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs,
mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna” (Mc
10,29-30).
Para ilustrar o
ministro ordenado na sua fidelidade a Deus, quero utilizar-me de uma imagem
simples, de uma parábola da nossa realidade agrícola, para mostrar-lhes o
quanto é sofrido e prazeroso o sentimento de fidelidade ao Senhor: o ministro
ordenado é uma espécie de lavrador do campo do Divino Agricultor, que, atento
aos tempos, às estações, saberá qual a melhor técnica de não deixar o terreno
improdutivo; que, pacientemente, cultiva uma terra que sequer é sua, mas que se
alegra junto com o ‘Dono do campo’ pelo resultado obtido, pelos frutos
colhidos, dando “cem por um, sessenta por um, trinta por um” (Mt 13,8). E,
quando colhe, esquece-se do sofrimento da plantação, do suor derramado, das
preocupações dispensadas, dos cuidados implementados. Como é agradável e nos
enche de alegria vislumbrarmos, ao longo de nosso ministério, os frutos que
ajudamos a surgir na vida de tantos, na vida do mundo. Não para nós mesmos, mas
para o Dono da terra, o ‘Divino Patrão’. E, com a consciência de que fomos
instrumentos, dizermos: “Somos servos como quaisquer outros; fizemos o que
devíamos fazer” (Lc 17,10). Este é o salário, a côngrua de maior valor para a
vida de um apaixonado pelo Cristo, de um fidedigno trabalhador da vinha do
Senhor. E, para isto, valer-nos-á a admoestação, a parenética paulina: “Empenha-te em te apresentares diante de Deus
como homem digno de aprovação, operário que não tem de que se envergonhar,
íntegro distribuidor da palavra da verdade” (2Tm 2,15).
A fidelidade é, em
suma, garantia de viver, de reinar com Cristo, pois nos anularemos para que Ele
viva em nós, para que Ele aja em nós, e, depois de fecharmos os nossos olhos
para esta realidade transitória, alcançaremos o pendor de vivermos Nele, porque
antes já viveu em nós, de reinarmos com Ele, porque já reinou em nós, através
de nós. Por isso que, mediante a fidelidade do homem, Deus permanece fiel, e
mesmo o ser humano isentando-se da sua fidelidade, Deus permanecerá constante
na fidelidade à Sua Palavra, às Suas promessas.
Glória ao Pai e ao
Filho e ao Espírito Santo. Como era no princípio, agora e sempre. Amém!
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