HOMILIA DA MISSA CRISMAL 2016
Queridos diocesanos, religiosas,
seminaristas, diáconos;
Minha dileta e afetuosa saudação
aos meus caros irmãos padres, cujo sacerdócio recordamos a instituição e renovamos
as promessas nesta manhã;
Estamos inseridos no Ano Jubilar
da Misericórdia. E como tal nesta feita em que recordamos a instituição do
sacerdócio ministerial pelo Senhor, como legado de Sua Páscoa redentora, faz-se
justiça meditarmos acerca da relação sacerdócio e misericórdia. Creio que se
fosse para intitular esta minha pregação, teríamos como mote: “Sacerdote:
ministro da Misericórdia Divina”. Para tanto, vale termos sempre em nossa mente
a raiz do nosso ser sacerdotal: Cristo Jesus, nosso Senhor, de Quem recebemos o
sacerdócio como dom que se une à nossa fraqueza ontológica, fazendo com que os
nossos gestos, atitudes, palavras e pensamentos sejam tradução do Cristo Bom
Pastor, Sumo e Eterno Sacerdote, e assim, somos transformados em “alter Christus Cápitis” a partir de
dentro para a integralidade de quem somos enquanto homens da Igreja, e,
portanto, homens de Cristo.
Na vida mesma do Senhor, não
raras são as demonstrações de amor, de misericórdia em favor dos pecadores,
últimos na taxação dos magnatas judeus. Percebemos que não somente no momento
cruento da Sua cruz, mas anteriormente, como num único mistério, desde a
Encarnação, a presença física de Jesus em meio à humanidade é tradução da
misericórdia divina. Ele que fazia
refeição com os pecadores, numa inspiração de intimidade que tem como raiz o
Seu humilhante abaixamento à fragilidade da nossa condição, e não apenas tão
inimaginada novidade, mas o seu importar-se com eles, compadecendo-se de suas
necessidades mais profundas, que, por vezes partia do material, do fisiológico,
do moral, descendo ao âmago do Seu interlocutor, daqueles que,
independentemente de estratagemas sociais e ou religiosos, deixaram-se
interpelar por Suas palavras salvadoras com fortíssimo conteúdo de amor
misericordioso que entrevê o homem por dentro, a partir do espírito humano.
Por sermos guardiões das Palavras
de Cristo e imitadores de Suas ações, porque somos os Seus outros ao fazer as
Suas vezes, fomos constituídos curadores de almas no duplo aspecto deste termo.
No primeiro sentido, curadores porque os filhos da ‘Mãe Católica’ nos são
confiados; já no segundo, inspira-nos a ideia de sermos, em Cristo Jesus, seus
médicos e mentores. Em ambas as circunstâncias, nunca deveremos nos descuidar
de repetir em nosso sacerdócio a amabilidade, o acolhimento Daquele que, de
tanto devotar-se aos pecadores, vai ao extremo de doar a Sua vida por eles,
porque os carregou em Seus ombros, nunca cessando de manifestar a Sua
misericórdia. A fórmula do ‘Belo Pastor’ sempre nos será válida e certa, não
importando acessórios temporais e modelos alternativos.
Este caráter do Cristo Pastor
que, com fidúcia, devemos copiar, exige de nós uma disponibilidade cordial que
nos deverá exigir em sentimentos fecundantes em nosso coração sacerdotal. Tal
prática demandante não somente deverá nos acompanhar neste Ano Jubilar da
Misericórdia, e sim na integralidade de toda a nossa vida sacerdotal.
Creio que tudo o que estou
dizendo aqui, na práxis sacramental da Igreja, encontra a sua eloquência nos
nossos confessionários. É pela generosidade de tempo dedicado a sanar,
restaurar vidas e corações, e elevar louvores à Misericórdia Divina pelo perdão
no Sacramento da Reconciliação, que nos travestimos de Cristo, eminente
Sacramento do Amor misericordioso de Deus.
Saberá dispensar, distribuir com
destreza a misericórdia de Deus quem a experimentou pelo perdão mediante um
encontro de coração a coração. Somos pecadores. Porém, o Senhor ao nos escolher
para o ministério sacerdotal pareceu ignorar esta paupérrima condição de nossas
faltas. Mas o fato existe e é objetivo: mesmo como sacerdotes, somos pecadores
e necessitamos do perdão divino. Das filas para o Sacramento da Reconciliação,
deveremos ser os primeiros; deveremos estar à dianteira. Aqui, parafraseio o
que o autor da Carta aos Hebreus afirma referindo-se aos sacerdotes da caduca
Lei judaica: os sacerdotes tem necessidade de oferecer todos os dias
sacrifícios pelos pecados próprios (cf. Hb 7,27). Pelo Salmo 50, temos a
indicação do salmista acerca de qual é o sacrifício agradável a Deus: “Meu
sacrifício, ó Senhor, é um espírito contrito, um coração arrependido e
humilhado, ó Deus, que não haveis de desprezar” (Sl 50,19). Somente poderá
elevar ao Senhor um sacrifício com mãos puras e inocente coração o ministro que
está quite com a misericórdia de Deus, um sacerdote que busca, em tudo imitar a
Cristo Sumo e Eterno Sacerdote.
Somente, “quem experimentou o
perdão, deseja que os outros possam chegar a este encontro com Cristo Bom
Pastor. Por isso, os ministros deste sacramento experimentam eles mesmos este
encontro sacramental, tornando-se mais disponíveis a oferecer este serviço
humilde, árduo, paciente e alegre” (CONGREGAÇÃO PARA O CLERO: O Sacerdote
Ministro da Misericórdia Divina, 9). E ainda, trago à lume o que o Papa São
João Paulo II escreve na Exortação Apostólica Pós-Sinodal ‘Reconciliatio et Pænitentiæ’:
“A vida espiritual e pastoral do sacerdote, como a dos seus irmãos
leigos e religiosos, depende, na sua qualidade e no seu fervor, da prática pessoal
assídua e conscienciosa do sacramento da penitência [...] Num sacerdote que
deixasse de se confessar ou se confessasse mal, o seu ser padre e o exercício
do seu sacerdócio bem cedo ressentir-se-iam, e disso se daria conta a própria
comunidade da qual ele é pastor” (Reconciliatio
et Pænitentiæ, 31). E Bento XVI,
escrevendo para os seminaristas, tentando inseri-loS, desde já, no espírito
sacerdotal, parece ter em mente o que o seu predecessor já afirmava:
“deixando-me perdoar, aprendo também a perdoar aos outros” (BENTO XVI, Carta
aos Seminaristas, 18 de outubro de 2010, n. 3). A experiência pessoal do
sacerdote com a misericórdia do Senhor inspirará uma cordialidade de um coração
largo e atípico ao homem que foi feito padre. Sim, atípico, porque pela Ordenação
Sacerdotal e pelo exercício em favor dos filhos da Igreja, principalmente os
mais precisados dos auxílios celestes, o coração de um padre deverá ganhar as
dimensões mesmas do coração do próprio Jesus, oferenda, oblação de amor em
favor de muitos.
Somos a voz, as mãos, os
embaixadores da Igreja para a misericórdia, não somente anunciando-a, mas sendo
sinais portadores da reconciliação de Deus com os irmãos. Deveremos reerguer a
natureza humana ferida, desgastada pelo pecado, primeiramente, original,
posteriormente, individual e socialmente moral. Se quisermos fazer frente às
ondas relativistas que apregoam o pecado, existem dois lugares de luta que, num
contexto litúrgico-teológico, se tornam um só: o ambão, lugar em que anunciamos
o amor de Deus, generoso em perdão; o confessionário, despensa mesma da
misericórdia. É a partir destes lugares, inclusos o batistério e o altar, que,
eminentemente, “os presbíteros são, na Igreja e para a Igreja, uma
representação sacramental de Jesus Cristo Cabeça e Pastor, [que] proclamam a
Sua palavra com autoridade, repetem os Seus gestos de perdão e oferta de
salvação, […] exercitam a Sua amável solicitude, até ao dom total de si mesmos,
pelo rebanho que reúnem na unidade e conduzem ao Pai por meio de Cristo no Espírito”
(Ibidem, 16).
Creio que muitos santos poderão
inspirar a nossa atividade de confessores. Este Ano Jubilar apresentou-nos com
realce dois grandes capuchinhos como apóstolos do perdão de Deus: São Pio da
Pietrelcina e São Leopoldo Mandic. Entretanto, como padres diocesanos, em
grande maioria nesta Catedral, não poderemos nos esquecer do nosso estimado
padroeiro: São João Maria Vianney. O Cura d’Ars era facilmente encontrado nesta
atividade de distribuição da misericórdia, principalmente pelos sacramentos.
Nas noites frias e congelantes de Ars, lá estava o seu pároco, trancafiado no
confessionário, tendo ao seu lado filas imensas dos mendigos do perdão do céu.
No dizer de São João XXIII, o ministério da reconciliação foi para o Cura d’Ars
um longo martírio que produziu frutos abundantes (cf. SÃO JOÃO XXIII, Carta
Encíclica Sacerdotii nostri primordia,
29). O atendimento das confissões poderá ser para nós um exercício física e
mentalmente desgastante, mas humana e espiritualmente edificante, graças a uma
consciência tranquila de ter cumprido o nosso papel de canais da misericórdia,
simultaneamente far-nos-á perceber a longanimidade de Nosso Senhor em sua
infinita bondade traduzida em misericórdia.
Tal como na Parábola do Filho
Pródigo, a Confissão deverá ser a festa da alegria. Não num pensamento
minimalista de sossegar consciências; mas, antes de tudo de reconciliação do
homem com Deus: “Assim haverá maior júbilo no céu por um só pecador que fizer
penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento”
(Lc 15,7). Na festa da Confissão não se celebra pecados declarados e perdoados
(muito embora seja elemento constitutivo deste sacramento), porém, antes de
mais nada, reconhece-se e louva-se a santidade de Deus que chama o homem
pecador para uma configuração a Cristo.
Muito embora o sacerdote deva
assumir, em nome de Cristo, o papel judicial de absolver, nunca se esqueça de
que a justiça em questão é a de Deus, não se deixando, portanto, levar nem pelo
rigorismo nem pelo laxismo relativista na aplicação da justiça divina,
educadora do coração do cristão. Tenha o
confessor ainda em mente que, pelo ministério da Igreja, é que há o perdão
divino como caminho ordinário para o retorno à Graça. O perdão sacramental
participa dos tesouros espirituais deixados por Jesus à Sua Igreja para a
distribuição e resgate de almas. Logo, se é ministro da Igreja, tenha
clarificada a sua ortodoxia doutrinária. Esta, baseada na Palavra de Deus, não
nos permitirá usar dos artifícios de falsa compaixão que atrapalharão os pecadores
no seu caminho de retorno ao que é querido por Deus, na verdade e retidão de
Seus caminhos. “Dizei somente: Sim, se é sim; não, se é não. Tudo o que passa
além disto vem do Maligno” (Mt 5,37).
Que este dia tão especial para a
vida da Igreja - dia em que Jesus lega, pelo sacerdócio, como ministros dos
seus mistérios de amor, os sacramentos – nos seja favorável à reflexão do que
somos e da missão que nos espera. Que a partir do sacerdócio que carregamos,
muitos possam abeirar-se e experimentar da misericórdia de Deus, que os carrega
aos ombros nos nossos ombros, porque no Cristo fomos feitos “pastores segundo o
seu coração” (cf. Jr 3,15).
DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS
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