HOMILIA PELOS 90 ANOS DE DOM HILDEBRANDO MENDES COSTA
Quando me foi dirigido o convite para que eu
pregasse esta Santa Missa, tão logo fiquei a imaginar como deveria fazê-lo,
tendo em vista a grande responsabilidade que tenho em minhas mãos neste
momento. Responsabilidade é a palavra que se coliga com outra bastante cara: satisfação.
Dom Hildebrando, meu Bispo que me fez bispo, esta homilia é fruto de uma
responsabilidade e satisfação grandiosas, e me explico: responsabilidade de
tentar falar de Deus e de seus mistérios para alguém que, na experiência dos
seus noventa anos, nunca descurou de viver a vontade do Senhor numa inteireza
admirável, numa santidade resoluta, numa discrição serena; quanto à satisfação,
refiro-me que, juntamente comigo, esta Santa Missa está lotada de muitíssimas
pessoas que vêm louvar a Deus, agradecendo-Lhe pelo dom de sua vida doada a Ele
e a Igreja. Satisfação comunitária, enquanto filho da Igreja, mas também, uma
satisfação pessoal por poder testemunhar acerca de um pai, de um irmão, de um
amigo que testemunha o Evangelho para todos quantos o rodeiam. E, desculpem-me
se estou sendo redundante: esta pregação causa-me satisfação por poder testemunhar
uma testemunha: Dom Hildebrando Mendes Costa.
Quando cursei Homilética, disseram-me que, principalmente
nos sacramentos e sacramentais da Igreja, deveria evitar ao máximo enlevar em
elogios a pessoa de alguém, senão a de Deus e de seus servos, os santos. Não me
esqueço desta recomendação. Porém o faço por reconhecer em Dom Hildebrando os
acenos da santidade de Deus que brilha nos seus servos. Penso que, para tanto,
este reconhecimento das virtudes de Dom Hildebrando seja comprovação do que o
sábio Rei Salomão exclama na Primeira Leitura desta Santa Missa: “Esteja o
vosso coração integralmente dedicado ao Senhor nosso Deus, caminhando nos seus
decretos e observando os seus mandamentos, como hoje o estais fazendo” (1Rs
8,61). Este recorte do Primeiro Livro dos Reis não se trata somente de um
ordenamento, de um imperativo, mas, subsequentemente, de um reconhecimento. É o
que tentarei fazer nesta minha reflexão.
Enquanto preparava esta pregação, vinha-me,
mormente, o que dissera o Papa Bento XVI quando dos seusoitenta e cinco anos: “Estou diante do último trecho do caminho
da minha vida e não sei o que me espera. Sei, porém, que a luz de Deus existe,
que Ele ressuscitou, que a sua luz é mais forte que qualquer escuridão e isso
me ajuda a continuar com segurança”. Creio que a sua longevidade, Dom
Hildebrando, não contém apenas a certeza de uma vida longa, mas torna-se para
nós uma autêntica profissão de fé acerca de Deus e de tudo quanto partilhamos daquilo que a
Igreja crê e ensina, porque dimana do coração mesmo de Deus e perpassa pelo
nosso coração, e do coração à nossa prática, para brilhar no mundo.
A providência de
Deus age na história, inclusive nas escolhas e nos projetos do homem. Creio que
o seu lema de vida episcopal reflita isso: não haveria mote de melhor expressão
para o seu múnus, caro Dom Hildebrando, para traduzir o dom de sua vida e da
sua vocação para a Igreja: “Oração e Ministério”. Eu sempre costumo dizer que a
oração é um satélite que nos liga a Deus. Se estiver com a razão acerca deste
mesmo conceito raso e simplório acerca da oração, concluo, sem medo de errar:
Dom Hildebrando é um homem que está sempre ligado, conectado com o Divino. Não
me esquecerei das diversas vezes em que morando junto comigo na Casa Paroquial
de Estância, flagrei Dom Hildebrando, de madrugada na capela, absorto em
oração, principalmente quando a vida diocesana estava enfrentando problemas,
desafios. O que nos faz lembrar da atitude mesma de Jesus, que, antes de
grandes decisões ou ações, passava a noite em oração. Creio que o seu mestre de
oração, Dom Hildebrando, foi Nosso Senhor e o exemplo Dele. Ou mesmo, quando
veio comunicar-me que o Santo Padre estava me elegendo para o episcopado, eis
as suas palavras: “Passei a noite toda em oração, pedindo por você, Padre Dulcênio”.
Creio ter escutado em sua voz aquilo que Nosso Senhor disse a São Pedro quando
da noite da Quinta-Feira Santa: “Eu roguei por ti, para que a tua confiança não
desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos” (Lc 22,32). Isso sem
falar da mística quando da celebração dos Divinos Mistérios e da contemplação
das realidades do Alto.
Entretanto,
notamos que a oração praticada por Dom Hildebrando não acontece somente em dados
momentos ou instantes: é um homem em cuja existência há um misto harmonioso
entre oração e vida. A sua vida é consequência do que reza, dada a sua
mansidão, paciência, serenidade, silêncio, modéstia. Daí, vem o segundo aspecto
do seu lema: “Ministério”. Penso que estesqualitativos fizeram-se presentes na
vida dos santos. Como é o caso de São Gregório VII, Papa do século XI, cujo
nome de batismo era também Hildebrando.
O já canonizado
era monge que foi feito Bispo de Roma, e, portanto, Papa; este nosso
Hildebrando é um Bispo que sempre se fez monge. Ambos fizeram de sua vida de oração
e da sua oração viva uma dádiva para a vida da Igreja, e, consequentemente,
elementos para edificação da vida dos fiéis.
Caríssimo Dom
Hildebrando, a sua humildade pode até está sendo desconcertada com estas minhas
palavras. Para outros, esta pregação pode aparentar “uma prova dos nove” acerca
do senhor. Mas, por que digo estas coisas? Para alertá-lo: a sua vida embasada
no Evangelho de Jesus é – e deve continuar sendo, num processo ascendente –
sinal de Deus, inclusive e principalmente para os jovens, dentre os quais, mais
estreitamente, para aqueles que se decidem no seguimento de Jesus Cristo
Sacerdote. Outro motivo que ainda me impele está grafado nos últimos versículos
da Segunda Leitura. Diz-nos o Apóstolo: “É ele [Jesus Cristo] que vos dará
perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao dia de
nosso Senhor, Jesus Cristo. Deus é fiel; por ele fostes chamados à comunhão com
seu Filho, Jesus Cristo, Senhor nosso” (1Cor 1,8-9). Então, porque lhe digo?
Para que continue sendo perseverante e bem sucedido na seriedade e na santidade
que tanto preza para a sua vida, a fim de que, no dia da recompensa dos
bem-aventurados, o senhor possa receber o que Deus mesmo nos prometeu e
preparou, segundo a fidelidade Dele e a sua que consiste, desde agora, na
perseverança; e da perseverança à Graça. Que o desejo que o senhor nutre da
santidade narre a glória do Senhor e seu poder, como canta o Salmo 144,
inspirando-nos na confirmação da bondade estupenda e infinita de Deus. Amém.
Arapiraca, 17 de junho de 2016.
(DOM DULCÊNIO FONTES
DE MATOS – BISPO DIOCESANO)
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