HOMILIA DA FESTA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO
“Que Deus nos dê a Sua graça e sua benção, e Sua face resplandeça sobre
nós” (Sl 66,2).
Recordo-me de quando do Natal de 2004 o Papa São João Paulo II, em seus
votos natalinos, estendia aos cristãos um grave convite que, ao fazermos a
experiência mística do Nascimento de Jesus, contemplássemos o Deus-Menino com
Maria. Aparentemente, tal invitatório pode soar como uma ideia meramente
genérica, fazendo-nos ouvi-la sem o compromisso necessário que enriqueça uma
vivência. Entretanto, o que o Papa polonês propunha aos homens e mulheres de fé
era algo revolucionário à espiritualidade, para, a partir do estupor causado
pelo encontro do doce e cândido Jesus, sejamos constantemente interpelados por
Aquele a quem vimos e adoramos.
Pelas ciências teológicas auxiliadas pelas Sagradas Escrituras inclusive,
sabemos que no engendramento de Jesus, na sua concepção admirável, não teve a
participação paterna da figura masculina. Apesar de ter sido gerado
milagrosamente no seio da sempre Virgem Maria, o Menino Jesus não possui o
sangue, tampouco a genética daquele que foi escolhido pelo próprio Deus para
ser Seu pai putativo, São José. Por obviedade, o sangue que corria nas veias
Daquela admirável Criança, bem como o Seu material genético eram,
inequivocamente, somente os de Maria, Mãe Virgem do Deus humanado.
Se com Maria contemplarmos o rosto do Menino, poderemos dizer, no
sentido místico, que Ele é dotado apenas dos traços fisionômicos da Virgem Santíssima.
Na graciosidade estética de Jesus há um reflexo da beleza de Maria. Portanto, o
pedido que Israel faz a Deus no canto do salmo de hoje – a saber: “Que Deus nos
dê a Sua graça e a Sua benção, e Sua face resplandeça sobre nós” (Sl 66,2) – passa
pelo prisma da Virgem Bendita, Mãe Daquele que, verdadeiramente, se fez homem.
Deus nos deu a Sua Graça, Jesus Cristo, por Maria, a “Cheia de Graça” (Lc
1,28), porque n’Ela “é-nos dada de novo a graça que, por Eva, tínhamos perdido.
Em Maria, mãe de todos os seres humanos, a maternidade, livre do pecado e da
morte, se abre para uma nova vida. Se grande era nossa culpa, bem maior se
apresenta a divina misericórdia em Jesus Cristo, nosso Salvador” (Prefácio do
Advento IIA). Então, se a Virgem trouxe-nos a Graça, n’Ele somos abençoados; e
a Virgem grávida, ou mesmo parturiente com Jesus ao colo, traz-nos e apresenta-nos
a bênção por meio de Quem somos santificados: “[…] tudo isso por graça de Deus”
(Gl 4,7), tal como nos afere a Segunda Leitura.
Já na Primeira Leitura, caros irmãos, Deus, por meio de Moisés, ordena a
Aarão o formulário para a bênção dos filhos de Israel: “O Senhor te abençoe e
te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a Sua face e compadeça de ti! Volte para
ti o Seu rosto e te dê a paz!” (Nm 4,24-26). Assim como todo o Antigo
Testamento possui o seu sentido histórico (e, portanto, próximo), também é
dotado de uma hermenêutica, a sua chave de interpretação em relação a Cristo. A
benção de Aarão, como já lhes antecipei é mera fórmula – decerto com sua
importância; mas a “bênção de Maria”, Jesus Cristo, é infinitamente mais
profunda e importante do que a de Aarão. E digo mais: a bênção de Aarão aponta
para a de Maria.
Temos dois termos que nos prendem a atenção na bênção de Aarão. O
primeiro: ‘fazer resplandecer a face’ (cf. Nm 4,25) faz alusão de lançar um
olhar favorável; o segundo: ‘mostrar a face’ (cf. Nm 4,26) diz respeito a cautela
fixada em alguém com o propósito benevolente. Com este duplo sentido, temos uma
referência direta à proximidade de Deus em Cristo que veio ao mundo por Maria. Na
Senhora Mãe de Deus, muito mais do que ‘a justiça que olha a terra do alto céu’
(cf. Sl 84,12) se observa o justo que venha à terra do alto céu.
Entretanto, esta “Bênção de Maria” não ficou restrita a um dado momento
da História da Salvação, e, portanto, da humanidade; Ela se renova na vida dos
homens com o decorrer dos tempos, pois o Menino nascido de Maria é o “Sempre Novo”.
Deus manifesta a Sua benevolência na nossa história instantaneamente e de diversas
formas, que não estão apartadas, desvinculadas de Cristo; muito pelo contrário:
tem em Cristo o seu fundamento e meio. Dentre estas formas em que se estampa a
infinita e profusa Bênção divina, temos a intercessão e a intervenção de Maria,
que patrocina a vida da Igreja, a vida dos homens e mulheres pertencentes ao Povo
de Deus.
Ao longo destes dois milênios, o amparo da Virgem Mãe sempre fez justiça
ao que a Igreja, em sua fé, sempre acreditou. Na Mãe de Deus (tal como
proclamaram os antiquíssimos concílios Niceno-Constantinopolitano e o de
Éfeso), vemos a Mãe dos Homens (tal como o Cristo mesmo no Ápice do sacrifício
Redentor a dogmatizou) preocupar-se com as premências daqueles que lhe foram
confiados: nós, pobres pecadores, por quem Ela roga. Maria, em suas aparições,
manifesta, faz resplandecer a face de Deus sobre a humanidade e suas culturas,
bem como, sobre as suas dificuldades. Contemplá-la faz-nos entrever o rosto
Divino porque o rosto de Maria modela o rosto do Deus encarnado; e o rosto de
Deus modela o de Maria na especialidade e santidade enquanto criatura.
Ao refletir sobre a grande manifestação de Deus ao povo mexicano através
da Virgem, a Guadalupana, o Papa Bento XIV, em 1754, declarou, inspirado no
Salmo 147,20: “Deus não agiu assim com nenhuma outra nação”. Maria Santíssima,
ao se inculturar em cada aparição, resplende em Si a ação de Deus. E é isto que
celebramos neste Ano Mariano de 2017, quando festejamos os 300 anos do “encontro”
da imagem de Nossa Senhora Aparecida nas águas do Rio Paraíba do Sul. Igualmente,
naquela estatueta enegrecida de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Deus age,
Ele revela Sua face, a sua justiça, o seu amor. E friso: nada de maneira
desvinculante a Cristo. Creio que na vida de cada fiel muitas são as ações de
Deus por Maria. É por isso que o amor a Virgem Mãe de Deus e nossa Mãe está
enraizado no coração da Igreja e dos seus filhos, que também foram outorgados
por Jesus como filhos de Maria.
Que a Mãe de Deus, cujo rosto assemelha-se ao de Cristo, e o Deste ao Daquela,
possa, continuamente, espargir, espalhar o Seu favor aos nossos corações,
principalmente o grande Dom, a generosa Graça, a imensa Bênção, Jesus Cristo,
que O tem nos Seus braços. E, ‘mostrando-nos Jesus’, possa fazer com que nos
assemelhemos-Lhe, na certeza de que também seremos aparentados ao Divino
Redentor, que vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.
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