CF 2012: “QUE A SAÚDE SE DIFUNDA SOBRE A TERRA”



D. Dulcênio Fontes de Matos
Estamos na Quaresma, e a Campanha da Fraternidade já é uma enraizada prática quaresmal na Igreja do Brasil. Para este ano, nós, Bispos, escolhemos trabalhar a temática da “Fraternidade e Saúde Pública”, ao tempo em que o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra” foi extraído do Eclesiástico 38, 8.

Sabemos que a espiritualidade quaresmal funda-se no “tripé” oração, penitência e caridade, sendo que esta última manifesta-se nas diversas obras espirituais e corporais. Este tríplice dimensão indica o processo de abertura necessária para sermos tocados pela grandeza da vida nova que nasce da cruz e ressurreição. Portanto, a quaresma é a via que nos conduz ao encontro do Cristo sofredor e Ressuscitado. E a Campanha da Fraternidade, sem ofuscar este tempo de conversão e de penitência, deve ser uma oportunidade impar, irmanados aos irmãos – principalmente aos que sofrem – e às realidades que exigem o nosso olhar de esperança e de transformação pela fé e ações práticas, nos despojarmos daquilo que nos atrapalha na vivência cristã perfeita, renunciando-nos e privando-nos de certas benesses e posses para socorremos o próximo. Dessa forma “atingidos por Ele e transformados n’Ele, percebemos que todas as realidades devem ser transformadas, para que todas as pessoas possam ter a vida plena do Reino” (Apresentação do Texto-base da CF 2012).

Mas, em linhas gerais, qual o objetivo desta Campanha da Fraternidade? Sensibilizar a todos sobre a dura realidade de irmãos e irmãs que não têm acesso à assistência de Saúde Pública condizente com suas necessidades e dignidade, levando os discípulos-missionários a ser consolo na doença, na dor, no sofrimento e da morte, ao tempo em que exijam que os pobres tenham um atendimento digno em relação à saúde.

Sabemos que Deus é o senhor da vida, e, portanto, do bem. Não é vontade do Altíssimo o sofrimento da pessoa. A doença nunca deve ser encarada como castigo ou punição vingativa da parte de Deus por alguma falta pecaminosa cometida, tal como o senso popular alude. A doença nos acorre por conta da fragilidade do nosso organismo, muito embora também esta fragilidade corpórea que os seres vivos possuem seja conseqüência do Pecado Original. No entanto, não obstante as nossas mazelas, Jesus veio para curar, para salvar o que estava perdido, a humanidade. A partir do Salvador, cura e salvação se confundem: “Os sãos não precisam de médico, mas os enfermos; não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mc 2,17).

Diante de tantos conceitos sobre o que seja saúde, dados por tantas instituições, a Igreja, como Mestra Pia, ensina aos seus fiéis que “Saúde é um processo harmonioso de bem-estar físico, psíquico, social e espiritual, e não apenas a ausência de doença, processo que capacita o ser humano a cumprir a missão que Deus lhe destinou, de acordo com a etapa e a condição de vida em que se encontre” (CELAM. Guia para a Pastoral da Saúde na América Latina e no Caribe. Centro Universitário São Camilo, São Paulo, 2010, nn. 6-7). Por ocasião da Campanha da Fraternidade de 1981, cuja temática “Saúde e fraternidade” e lema “Saúde para todos”, o Beato João Paulo II escreveu à Igreja que está no Brasil: “Boa saúde não é apenas ausência de doenças: é vida plenamente vivida, em todas as suas dimensões pessoais e sociais. Como o contrário, a falta de saúde, não é só a presença da dor ou do mal físico. Há tantos nossos irmãos enfermos, por causas inevitáveis ou evitáveis, a sofrer, paralisados, ‘à beira do caminho’, à espera da misericórdia do próximo, sem a qual jamais poderão superar o estado de ‘semimortos’”. 

A Igreja é bastante consciente do que foi dito por Santo Irineu: “A glória de Deus é o homem vivo”. Portanto, querendo a vida com dignidade, não somente dos seus fiéis católicos ou dos cristãos em geral, mas da humanidade com um todo, a Igreja faz da sua voz o grito dos miseráveis, marginalizados, enfermos, dos pequenos e indefesos, lutando contra toda cultura de morte que atenta contra a vida das pessoas e dos seres da natureza. Com essa atitude profética está fazendo valer o Evangelho: “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25,40). Ela não apenas é profeta como também é samaritana quando, revestida do avental da caridade ela vê nos sofredores a figura de Jesus sofredor. Relacionado aos enfermos, destinatários principais da Campanha da Fraternidade deste ano, ressaltamos os inúmeros trabalhos realizados por variadas Congregações Religiosas, freiras, irmãos e padres que vivem os seus ministérios em prol dos doentes e fragilizados em hospitais, asilos, dando assistência integral (física e espiritual) aos doentes. A Pastoral da Saúde, da Criança, da Pessoa Idosa, enfim as diversas Pastorais Sociais que beneficiam enormemente, por meio de voluntários leigos que tentam viver como Jesus, o Bom Samaritano da humanidade, na busca e resgate do outro que, frágil, doente e suscetível às inúmeras mazelas, precisa de cuidados maiores por parte, inclusive dos irmãos. Ações práticas como estas de vivência da Palavra fazem da Igreja Católica a maior organização caritativa do planeta.

O Sacramento da Unção dos Enfermos, com tudo o que ele comporta (perdão dos pecados, aproximação do enfermo a Cristo e a alimentação com o Corpo do Senhor, a Eucaristia), é o máximo serviço prestado pela Igreja àquele que, prostrado pela dor, se confia a Deus. Este sacramento manifesta – não somente a quem o recebe, mas toda a comunidade eclesial – a doação da experiência do amor gratuito e incondicional de Deus que vem em socorro dos que a Ele se confiam e os cura; a certeza de que Jesus se encontra presente e visível naqueles que sofrem. A ação da Igreja em assistir os enfermos é uma ação proveniente do seu zelo apostólico que, proveniente do amor, ou seja do Espírito Santo, a impele a partilhar com os seus filhos o tudo o que ela recebeu de seu Esposo e que lhe é mais valioso: os sacramentos, que embutem vida nova àqueles que o recebem, provocando neles um serviço de culto e louvor ao Senhor.

A Campanha da Fraternidade deste ano deseja conscientizar os fiéis acerca do que é viver bem, com dignidade, sensibilizando-os, inclusive, para que adotem hábitos de vida saudável. Assim ela entende que estes hábitos são imediatas prevenções de inúmeras doenças, tais como a diabetes, colesterol, hipertensão arterial, e tantas outras enfermidades que poderiam ser evitadas através da adoção de hábitos saudáveis. Sensibiliza as pessoas que sirvam os enfermos, através do suprimento das suas necessidades e integrando-o a comunidade de fé e a sociedade (assistência integral). A CF 2012 pretende valorizar publicamente as inúmeras pastorais que trabalham com a saúde das pessoas. Cobra dos governantes uma maior qualidade para a saúde pública, fazendo com que o SUS seja mais apto para assistir o cidadão brasileiro em suas necessidades com condições dignas. Solidariza-se com aqueles que enfrentam filas quilométricas desde a madrugada para poderem achar uma solução suas enfermidades; com os que, prostrados em leitos hospitalares, unem as suas dores a do Cristo sofredor; com os que são enfermos, que não necessariamente nos hospitais, precisam de uma assistência especial por parte dos familiares, da medicina e do Poder Público; com os profissionais de saúde, para que eles achem maior valorização no desempenho de sua profissão-missão. A Campanha da Fraternidade ainda deseja que os cidadãos sejam mais presentes no acompanhamento das ações da gestão pública, exigindo que os recursos destinados à saúde sejam mais generosos e possam ser transparentemente aplicados.

Por fim, tendo diante de nós o exemplo do Cristo, que passou pelo mundo fazendo o bem e curando a todos, Cristo, o Bom Samaritano da humanidade decaída pelo pecado e pelas moléstias por este trazidas ao mundo e à humanidade, ao tempo em que prosseguimos a nossa caminhada rumo à Páscoa litúrgica e a da nossa vida, utilizando as palavras do Papa Bento XVI para esta ocasião de Campanha da Fraternidade, dizemos: “Com o exemplo diante dos olhos, segundo o verdadeiro espírito quaresmal, possa esta Campanha inspirar no coração dos fiéis e das pessoas de boa vontade uma solidariedade cada vez mais profunda para com os enfermos, tantas vezes sofrendo mais pela solidão e abandono do que pela doença, lembrando que o próprio Jesus quis Se identificar com eles: “pois Eu estava doente e cuidastes de Mim” (Mt 25,36). Ajudando-lhes ao mesmo tempo a descobrir que se, por um lado, a doença é prova dolorosa, por outro, pode ser, na união com Cristo crucificado e ressuscitado, uma participação no mistério do sofrimento d’Ele para a salvação do mundo. Pois, “oferecendo o nosso sofrimento a Deus por meio de Cristo, nós podemos colaborar na vitória do bem sobre o mal, porque Deus torna fecunda a nossa oferta, o nosso ato de amor” (Bento XVI, Discurso aos enfermos de Turim, 2/V/2010).         

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