A FÉ COMO SINAL DO RESSUSCITADO


                                    D. DULCÊNIO FONTES DE MATOS*

No dia 24 de novembro, Solenidade de Cristo Rei do Universo, toda a Igreja estará encerrando o Ano da Fé, iniciado em 11 de outubro do ano passado. Perceptível está sendo o empenho dos pastores e fiéis para uma produtiva vivência deste Ano que visa “a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais conscientes e revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo em um momento de profunda mudança como este que a humanidade está vivendo” (BENTO XVI, Carta Apostólica Porta Fidei, n. 8). No decorrer deste mesmo Ano, tivemos um grande exemplo de visão de fé: a renúncia do Papa Bento XVI, sinal de uma maturada experiência de fé e intimidade com o Senhor. Não obstante, a Divina Providência confirma a fé da Igreja com a eleição do Papa Francisco. Tudo isto e muito mais são sinais da presença do Ressuscitado em sua Igreja e, a partir dela, na história dos homens. Neste sentido, “a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo” (Porta Fidei, 15).
Nos dias de hoje, caracterizados pelas ciências e tecnologias que unicamente primam pelo racional, pela praticidade, pela celeridade, a fé é tida como mero e ineficaz sentimento; sentimento parco, irrisório, pueril, que beira ao ridículo e cheira a ultrapassado. Até mesmo em alguns meios de um pseudocristianismo, como determinadas seitas protestantes por aí espalhadas, a fé é deturpada em nome de atitudes e interesses materiais como dinheiro, sucesso, curas, mágicas, reles benesses. A dita ‘teologia da prosperidade’, tão apregoada, inclusive nos meios de comunicação, embaça o ter fé como em condição de sortilégio, descomprometida com o que de fato é: uma virtude sobrenatural dada por Deus que visa aproximar-nos Dele, de suas realidades divinas, convertendo-nos sempre e cada vez mais a Ele, fazendo-nos compromissados com o Seu Reino e com os irmãos e irmãs.
Mesmo que a fé seja um sentimento, ela não é qualquer anseio. Como virtude sobrenatural infundida por Deus no coração do homem que lhe é aberto, temente, ela manifesta-se na naturalidade da vida. Desta forma, a fé, unida à esperança e ao amor, frutifica em obras para o ordinário de nossa existência. Recordemos-nos do que nos diz São Tiago em sua Epístola: “Assim também a fé: se não tiver obras, é morta em si mesma […] Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tg 2,17.26). Logo, a fidúcia deve reproduzir no cotidiano a realidade de Deus, ainda que imperfeitamente por conta da temporalidade, da fugacidade das coisas e dos seres. O ato de crer deve ser antecipação do céu porque nos move pela Graça à própria Graça, consumação da nossa fé, ou seja, o próprio Deus, a Graça Incriada, ao tempo em que faz de nós testemunhas Daquele que cremos.
A fé no Cristo é identidade máxima e inconfundível do cristão. Por ela, almejamos possuir os mesmos sentimentos do Senhor. No Batismo, a Igreja nos deu como dádiva o que ela professa, dizendo, após o assentimento de fé feito por nossos pais e padrinhos: “Esta é a fé que recebemos e sinceramente professamos, razão de nossa alegria em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Pelo ato de crer o que crê a Igreja, tornamo-nos vida do Cristo com a nossa vida; tornamo-nos seus imitadores. Santo Antônio de Pádua dizia, em paráfrase nossa, que é mais eloquente um testemunho de vida de que palavras que são ditas. Se vivemos enraizados na fé em Cristo, diremos tal como São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). O viver Cristo pela fé é um viver para morrer, para possuir o céu, como também é um morrer para viver, para herdar o prêmio que nos foi reservado para toda a eternidade. Sim, é um morrer, pois nos incita a renúncias, a perdas, a esquivar-se das mentalidades e conjecturas do mundo e do pecado, mesmo estando suscetíveis a eles pela tentação. Se assim trilhamos, faremos jus ao que o ministro da Igreja nos disse, por nossos pais e padrinhos: a fé como razão de nosso viver, de nosso agir, de nosso pensar, de nosso falar. Não como um peso amargo, uma privação de realidades alheias à fé, mas como uma alegre testemunha: pela fé, Cristo está em mim e eu Nele.
O viver Cristo pela fé, não deve ser uma realidade egoisticamente subjetiva. Como cristãos, devemos nos inserir na história da sociedade, dos homens, sendo-lhe, no amor vivido pela fiúza, centelhas de esperança. Se as primeiras testemunhas de Cristo Ressuscitado eram reconhecidas pelo amor, nós, operários da última hora, devemos também ser identificados pelo amor, tradução da fé, anseio de esperança, pois, como nos disse o Papa Bento XVI, também na Porta Fidei: “A fé sem caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra de realizar o seu caminho” (n. 14), ou mesmo como nos dissera na Encíclica Spe Salvi: “esperança equivale à fé” (n. 2).
Percebemos no mundo um desânimo por parte das pessoas diante de tantos sofrimentos e mazelas enfrentadas: violência, desemprego, injustiças, drogas, prostituição, enfermidades... A fé seria semente transformadora deste mundo? Se depositamos a nossa confiança em Deus, então a fé é a chave para um mundo melhor, mais humano, mais fraterno, mais de Deus. Faz-se urgente vermos que na história da humanidade Deus, que é Senhor da História, tem uma mensagem para nós, inclusive no hoje, no hoje que amanhã se tornará já um tempo histórico, porque passou diante de nossos olhos; aí a fé é chave de entendimento que nos faz interpretar estes sinais, sendo também nós sinais, sinais do Ressuscitado. Em meio às constantes revoluções em que o mundo está inserido - revolução midiática e de velocidade de informações e situações, revolução comportamental, de valores – algumas selvagens, a fé desponta como a maior de todas porque temos como aliado principal o próprio Deus que nos ama e nos enche de esperança no porvir de dias melhores. A fé, quando entendida no sentido revolucionário, de sentimento que é, faz jus ao termo virtude que lhe denominado pela Igreja. Virtude é uma palavra cunhada do latim ‘virtus’ que designa força, potência. Destarte, a fé é arma poderosíssima do cristão na tentativa, pelo amor, de fazer deste um mundo recapitulado em Cristo (cf. Ef 1,10), ‘Autor e Consumador de nossa fé’ (Hb 12,1). Tratando a fé como virtude, como força, o Papa Francisco, em sua vinda ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, se expressou: “Mas o que podemos fazer? […] ‘Bote fé’: o que significa? Quando se prepara um bom prato e vê que falta o sal, você então ‘bota’ o sal; falta o azeite, então ‘bota’ o azeite... ‘Botar’, ou seja, colocar, derramar. É assim também na nossa vida, queridos jovens: se queremos que ela tenha realmente sentido e plenitude, como vocês mesmos desejam e merecem, digo a cada um e a cada uma de vocês: ‘bote fé’ e a vida terá um sabor novo, a vida terá uma bússola que indica a direção; ‘bote esperança’ e todos os seus dias serão iluminados e o seu horizonte já não será escuro, mas luminoso; ‘bote amor’ e a sua existência será como uma casa construída sobre a rocha, o seu caminho será alegre, porque encontrará muitos amigos que caminham com você. ‘Bote fé’, ‘bote esperança’, ‘bote amor’!” Desta forma, concluímos que a fé não age sem o amor e a esperança, e estas duas últimas não se firmam sem a força da fé, porque o trio das virtudes teologais – fé, esperança e caridade – procede de um só Deus.
O mundo carece de testemunhas; de pessoas que, crentes, espalhem o suave fragor de Deus aos outros, para que, num movimento de amor, sejam também “iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, [sendo] capazes de abrir o coração e a mente ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim” (Porta Fidei, 15). Sejamos, portanto, pela fé, testemunhas do Cristo Senhor Ressuscitado, a fim de levarmos a bom êxito o anúncio do Evangelho, servindo-Lhe de mãos, pés, olhos e voz para que, Nele, tudo e todos sejam transformados no amor e para o amor.

                           *É bispo Diocesano de Palmeira dos Índios

Comentários

Postagens mais visitadas