PALAVRAS DO PASTOR POR OCASIÃO DA MISSA SOLENE DE ENCERRAMENTO DA FESTA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO


Solenidade de Maria, Mãe de Deus, 01 de Janeiro de 2015
Por Dom Dulcênio Fontes de Matos
Ao solenemente celebrarmos Santa Maria, Mãe de Deus e Senhora do Amparo, nas alegrias das oitavas do Natal do Senhor, há um convite premente de reportamo-nos ao Seu presépio, ou mesmo de ir além: o convite de irmos ao cerne da Sagrada Família, da jovem casa que, mais tarde, denominar-se-á ‘Lar de Nazaré’.
            Meus queridos irmãos, contemplamos a cena da manjedoura. Vislumbramos o coração, núcleo central de todos os sentimentos com os quais também foram nutridos aquela pequena e, simultaneamente, grandiosa família é o próprio Cristo. Sim, pequena enquanto quantidade de membros; grandiosa dada à sua importância para o mundo inteiro. O mesmo Cristo-Menino, que é o cerne da família de Maria e José é o mesmo Senhor, o mesmo Rei que, como exclama uma das Antífonas de Entrada para esta Liturgia, fruto da oração e da fé do grande Sedúlio (poeta cristão do distante século V): governa o céu e a terra pelos séculos eternos.
            Que mistério paradoxal que não deixa de ter a sua graciosidade! O Dono de tudo, Deus, que veio para reger todas as coisas, cujo reino não terá fim, faz-se obediente às suas criaturas. Esbarramo-nos numa comunidade humanamente perfeita, com os mais nobres sentimentos vistos e vividos entre os homens: a família de Nazaré. E, a partir da formação desta comunidade humana, inaugura-se o tempo previsto, quando “Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva” (Gl 4,4-5), como nos afere a Segunda Leitura desta Missa.
            Percebam, meus irmãos, o enfoque que eu quero dar nesta homilia; quero falar-lhes de algo que está em voga na Igreja no Brasil e também em nossa Diocese de Palmeira dos Índios. Enaltecendo a família de Nazaré, desejo realçar o papel importante da família cristã como preâmbulo da vida comunitário-religiosa, pois também o seio familiar é Igreja, a “Igreja Doméstica”, como nos falou São João Paulo II.
            “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia”. Com esta temática, a família cristã tem que justificar, valorizar o seu contexto eclesial para inserir-se na ampla e diversificada família de Deus, a Igreja Católica. Enquanto a família não adquirir os mesmos sentimentos e atitudes de José, de Maria e de Jesus, a renovação da Igreja não estará completa, muito embora a dinamicidade do Espírito Santo a permeie. E qual o caminho para isto? O Evangelho há pouco proclamado nos ensinará através de nomes e de anônimos sobre as necessárias atitudes para que aprendamos a fazer da família não somente a proto-célula social, mas antes disso uma casa de oração e de vida evangélica.
            Temos os pastores. Pressurosos à Belém ensinam-nos duas coisas. A primeira é um ensinamento interior. Por que a glória do Senhor que nasceu naquela noite se revelou primeiramente a eles? Responde-nos São João Crisóstomo: “O anjo não foi, pois a Jerusalém, nem buscou aos escribas e fariseus, porque estavam corruptos e atormentados pela inveja, enquanto os pastores eram humildes e observavam a antiga lei dos patriarcas e de Moisés. Há, assim, um certo caminho que conduz a inocência à sabedoria”. Humildade e inocência; simplicidade e pureza; modéstia e candura. Mas, o que tem alimentado de fato o coração dos membros das famílias parecem diferir do que vemos palpitar como sentimento dos pastores. Numa queda de valores autênticos e nobres em que o mundo que se declina e apraz em troca de barbáries e em falseados ‘bem-estares’ do ter, do aparentar e do sentir (inclusive numa pansexualidade que adoece e mina a fé e a moral cristãs), os pastores de Belém são a chave para acorrermos ao Senhor, fazendo-O orientação para toda uma vida. A segunda coisa ensinada pelos pastores é um movimento exterior: “foram às pressas”. Qual o sentido deste detalhe exposto por São Lucas? Mais uma vez, recorro aos Padres da Igreja. Santo Ambrósio é breve e claro: os pastores apressaram-se “para manifestar que o que busca a Jesus Cristo não deve andar com demência”. Procurar seguir Jesus é uma urgência para o ser cristão. Nisto, os pais, mães e filhos devem possuir um objetivo comum de buscarem juntos, encontrarem juntos e seguirem juntos Jesus Cristo, que está no meio pessoal de cada membro do lar – por estar no coração de cada batizado – e no meio comunitário da Igreja doméstica – porque “onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18,20), como garantiu o Senhor.
            Os pastores chegaram a Jesus, encontrando-o com Maria e José. Mas, o que aconteceu com eles? Não ficaram inertes, extasiados com aquela doce cena bendita; eles testemunharam para os pais de Jesus o que anjo lhes disse, maravilhando os seus interlocutores que também sentiram no coração a ação de Deus. Será que os pastores se conformaram apenas em falar acerca do menino somente para o casal de Nazaré? Não. Em um primeiro momento, Lucas parece dizer que os pastores teriam conversado apenas com José e Maria: “[…] e encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura. Tendo-o visto, contaram o que lhes fora dito sobre o menino” (Lc 2,16-17). Posteriormente, o Evangelista amplia o horizonte dos que receberam o testemunho dos pastores: “E todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam” (Lc 2,18). “Tudo o que haviam visto e ouvido os pastores causou neles um assombro tal que abandonaram os seus rebanhos e, apesar de ser noite, marcharam a Belém, buscando a luz do Salvador”, afirma-nos outro arcano escritor. Será que as suas vidas permaneceram as mesmas de antes da visita dos anjos e da adoração do Deus-humanado? Entrevemos que não. E qual será o efeito “Jesus Cristo” em nós e em nossas famílias, já que o encontramos com a facilidade da Igreja nos sacramentos que fecundam o nosso coração com a presença reconfortante de Deus? Aprendamos dos pastores que anunciavam enquanto grupo e que, consequentemente, não deixa de ser uma diminuta comunidade de fé.
            Após termos refletido o deslumbre contagiante e comprometedor na vida dos anônimos pastores, passemos agora a dois conhecidos nossos: José e Maria. Particularmente, considero a vida desses dois como uma ousadia no Evangelho. E o que é isto? Mediante a alegria da Boa-Notícia que receberam e conceberam nos seus corações, nenhuma dificuldade lhes foi empecilho para continuarem o caminho familiar na fé e no amor. Sim, José e Maria sentiram como ninguém a presença Daquele de quem a Carta aos Hebreus denomina ‘Autor e Consumador da fé’ (cf. Hb 12,1) e viveram de maneira ímpar O que os unia enquanto casal e projeto de Deus para toda a humanidade por meio do ‘sim’ que cada um deu e viveu silenciosa e extremadamente. Viveram sempre o Cristo que conceberam no afeto de filho seu e na adoração ao Filho de Deus. Ambos comprometeram as suas vidas, os seus sonhos, a sua forma normal de serem esposo e esposa, afastando-se do que é tido por habitual pelo mundo.
José, o justo, abandonando os seus afazeres, torna-se peregrino e perseguido; a sua existência sofre uma radical mudança em vista do amparo e acolhimento de Deus em sua vida e em sua casa. Não se conforma ao predito pelo mundo, sendo modelo para os chefes dos lares, para os que regem a minúscula comunidade familiar, geratriz da comunidade magna, a Igreja, na história e na atualidade. Maria, a Virgem do Amparo, que através de seu seio virginal, dá vida e forma humanas ao autor da vida, é modelo perfeito para as mães que devem oferecer o Cristo ao mundo – Cristo, a salvação eterna da humanidade.
Maria é Mãe. Esta solenidade de hoje é um chamado à fé dos cristãos, mas também à prática familiar. Maria é Mãe: de que tipo? É Mãe presente. Por isso, nos diz o Concílio Vaticano II: “Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no templo, padecendo com Ele quando agonizava na cruz, [Maria] cooperou de modo singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural” (LG 61).
Nosso Senhor, de per si, não precisaria de auxílio humano algum (nem mesmo de Maria) para a sua obra redentora. Logo, o que Maria é na vida de Seu Jesus, assim se dá, porque a Divina Providência que age em Nossa Senhora tem em vista a humanidade. Desta forma, assim como Maria esteve presente em todos os momentos do seu Jesus, ela se faz presente com a sua materna intercessão na vida de cada cristão.
Creio que o vocativo mais agradável aos ouvidos de uma mulher é o de mãe, porque, dentre tantas coisas, denota respeito e um amor humanamente imensurável; não há nada mais consolador para uma criança a presença de sua mãe, inclusive para nós, os adultos. Por isso, comungo do que disse São Josemaría Escriva: “Podemos dizer bem alto à Virgem Santa, como o melhor dos louvores, estas palavras que expressam a sua mais alta dignidade: Mãe de Deus”.

Meus irmãos, nunca cessemos de recorrer aos favores e cuidados da Virgem e Mãe. Os que o fazem poderão dizer com franqueza ‘Deus é meu Pai’, como assevera São Luís Maria de Montfort: “Não pode ter como Pai o que não tem Maria por Mãe”. Lembremos-lhe que ela é nossa Mãe por decreto divino. Imploremos que ela seja sempre a nossa Mãe.

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