“A PALAVRA DE DEUS É O VERBO VIVO E ENCARNADO”
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo Diocesano de Palmeira dos Índios
Com tais palavras de São Bernardo de Claraval, chegamos a setembro, o
chamado ‘Mês da Bíblia’. Comumente, em nossas assembleias, neste período há um
bonito intento de tecer comentários acerca da Palavra de Deus a fim de
elucidá-la no coração dos fieis, incitando-os não somente à leitura, mas à uma
experiência profícua com ela.
Com razão, São Jerônimo dirá: “A ignorância nas Escrituras é ignorância ao
próprio Cristo”. Penso que poderíamos ir mais além. Não que eu ouse ultrapassar
o conceito do grande exegeta Jerônimo – longe de mim fazê-lo! Entretanto,
atrevo-me, inspirado naquilo que a Igreja entende por Palavra de Deus: ignorar
a Palavra de Deus é ignorar ao mesmo Cristo.
E os meus leitores podem, razoavelmente, indagar-me: “Esta afirma do
nosso Bispo não redunda na mesma afirmação do Doutor Jerônimo?”. Respondo-lhes:
Sim e não concomitantemente. E, para ser mais explícito, tentarei discorrê-lo
no decorrer do presente artigo.
A Palavra de Deus não é um livro; é uma Pessoa: Jesus Cristo, o Verbo Divino.
Neste sentido, contemplar-nos-á o grande místico São João da Cruz: “A partir do
momento em que nos deu o seu Filho, que é a Sua única e definitiva Palavra,
Deus nos disse tudo de uma só vez nessa Sua Palavra e não tem mais nada a dizer”.
Logo, Jesus, o Verbo, é a plenitude da Revelação. Fora de quem não há verdade
alguma sequer, por ser Ele a plenitude da Verdade, a própria Verdade (cf. Jo
14,6).
“Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais
pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho” (Hb 1,1-2a). Com este
aferir doa anônimo autor da Carta aos Hebreus, temos uma contribuição para
transcendermos à ideia de que única e somente a Bíblia seja Palavra de Deus. O
ser da Palavra difere do conter a Palavra. Se o Verbo Jesus Cristo é, a Bíblia –
Escrituras – a contém. E somente isto! O que não se constitui um reducionismo,
tampouco um desprezo ou marginalização das Escrituras.
O Apóstolo e Evangelista São João nos diz na conclusão do quarto
evangelho do Cânon Bíblico: “Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem
escritas uma por uma, penso que nem o mundo inteiro poderia conter os livros
que se deveriam escrever” (Jo 21,25). Assim, entrevemos a limitação da Bíblia
em, sozinha, ensinarmos com destreza o que Deus nos quis falar. Da mesma forma
em que as Escrituras Sagradas contêm a Palavra, a Tradição e o Magistério
igualmente trazem as verdades divinas, e, relacionados, formam o que chamamos ‘Depósito
da Fé’. Por esse motivo, o Catecismo da Igreja Católica nos dizer: “A Tradição
sagrada e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e compenetradas entre
si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa
só e tendem ao mesmo fim. Uma e outra tornam presente e fecundo na Igreja o
mistério de Cristo, que prometeu estar com os seus, ‘sempre, até ao fim do
mundo’ (Mt 28, 20). A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus enquanto foi
escrita por inspiração do Espírito divino. A sagrada Tradição, por sua vez,
conserva a Palavra de Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo
aos Apóstolos, e transmite-a integralmente aos seus sucessores, para que eles,
com a luz do Espírito da verdade, fielmente a conservem, exponham e difundam na
sua pregação. Daí resulta que a Igreja, a quem está confiada a transmissão e
interpretação da Revelação, não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a
respeito de todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e
veneradas com igual espírito de piedade e reverência” (CIC 80-82). E, quanto ao
Magistério: “O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita
ou contida na Tradição, foi confiado só ao Magistério vivo da Igreja, cuja
autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo, isto é, aos bispos em comunhão
com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma. Todavia, este Magistério não está
acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi
transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito
Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo
deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado” (Ibidem 85-86).
"A Palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4,12). A Palavra não é
letra morta, mas o Cristo que está vivo e atuante em nosso meio; que fala
conosco, orienta-nos e arde-nos o coração. É preciso que o ouçamos em Suas vias
de comunicação e transformemo-nos numa atitude de embate com a Sua vida divina
manifestada em Sua Palavra, que se nos apresenta em diversas ocasiões da vida,
sendo, no entanto, eterna. A essa atitude contrastante, chamemos conversão.
Convertamo-nos à Palavra, e perceberemos o seu poder vivificante em nós,
proporcionando viver a altura de Cristo, estando totalmente imbuídos d'Ele.
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