ARTIGO: A NARRATIVA DA PAIXÃO SEGUNDO JOÃO
A trama da narrativa da
Paixão joanina é substancialmente semelhante à tradição sinótica, estando em
cena alguns mesmos personagens e sendo narrados alguns mesmos episódios, mas ao
mesmo tempo o texto de João se mostrará completamente diferente dos sinóticos,
apresentando acréscimos e omissões, de acordo com a perspectiva teológica de
João.
Na narrativa do
Evangelho joanino, Jesus não é apresentado como o sofredor, mas sim como o
vencedor, como o agente. João não fala de sofrer (pathein: παθεῖν) nem dos sofrimentos (pathémata: παθήματα), mas de ser elevado (hupsōthênai :ὑψωθῆναι). O evangelista evita apresentar Jesus em um aspecto humilhante: omite a
notícia de Marcos de que a cruz foi carregada por Simão Cireneu; os
crucificados com Jesus não são identificados como malfeitores; de tal modo que,
em todo o relato, Jesus está inteiramente no controle de tudo o que vai
acontecer. Serão enfatizados o caráter voluntário do sofrimento de Jesus, a
realeza ou o seu messianismo. Jesus continuará em ação mesmo depois de sua
morte, quando do seu lado aberto vertem água e sangue e Jesus já começa a
atrair todos para si, quando Nicodemos e José de Arimateia, que o seguiam
timidamente, vêm a público para lhe dar um sepultamento magnífico, de tal modo
que Jesus é sepultado como um rei que governou na cruz.
Na primeira cena, em
18,1-3, o Quarto Evangelho já começa diretamente com o relato no qual Jesus
será entregue. A trama apresenta algumas diferenças em relação aos sinóticos,
como a ausência da agonia no jardim. João tem uma ideia da paixão de Jesus que
busca demonstrá-la com uma revelação do poder e da majestade de Jesus. Por
isso, enquanto os três primeiros Evangelhos narram uma angústia de alma de
Jesus até a morte - Lucas chega até a descrever que o suor de Jesus tornou-se
como gotas de sangue a se derramar (cf. Mt 26,38; Mc 14,34; Lc 22,44) - João deixa
de lado essas informações, as quais não se adequariam ao seu objetivo
pretendido.
Em 18,4-9 Jesus aparece
como que dominando toda a cena. No controle da situação, tem conhecimento de
tudo o que lhe vai acontecer. De tal modo que ele não será descrito como a
vítima indefesa dos seus inimigos, mas, ao contrário, Jesus toma a iniciativa
de dar-se a si mesmo e aparece como um mestre de tudo. Nesse episódio, será
posta em relevo, de modo mais evidente, a majestade de Jesus, senhor do seu
destino, dado que enquanto os sinóticos descrevem o Jesus que cai por terra e
se ajoelha (cf. Mt 26,39; Mc 14,35; Lc 22,41), perante o Jesus joanino são os
soldados romanos e os guardas judeus que recuam e caem por terra, indefesos, ao
ouvirem a proclamação do seu egō eimi (ἐγώ εἰμι: v.5). De modo que se faz
pressentir em Jesus, descrito como o nazōraios
(Ναζωραῖος), a sua dignidade divina, desde a
sua vida terrestre. Nesse episódio, com a informação de que se cumpriria a
palavra da escritura segundo a qual não perdeu nenhum dos que lhe foram dados, Jesus
é apresentado em ação como o Bom Pastor que entrega sua vida livremente a fim
de salvar a vida das suas ovelhas.
Já
em 18,10-11, narra-se que Jesus aceitou de bom grado e conscientemente beber o
cálice que o Pai lhe deu.
Padre
Marcos André Menezes dos Santos
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