ZELAR PELOS BIOMAS, CRIAÇÃO DE DEUS!
Como em todos os anos, a Igreja
no Brasil, consciente de sua missão de iluminar a vida social com os valores do
Evangelho, ao tempo em que assume como gesto concreto para a sua vivência
quaresmal, lança a Campanha da Fraternidade. Neste ano, muito mais do que um
pensar meramente geográfico-ecológico, a Campanha da Fraternidade, tratando
sobre os biomas brasileiros, deseja ver (também com um olhar que parte do
teológico) toda a criação de Deus como um dom. Creio que para nós, filhos da
Igreja no Brasil, esta percepção deva ser ainda mais latente, porque, tal como
entoamos no Hino Nacional, o nosso país é “gigante pela própria natureza”.
Ao ler o primeiro livro da
Sagrada Escritura, o Gênesis, logo no seu iniciar, temos a narrativa de como
Deus criou todas as coisas. Claro que aquela história, mais significativa sob a
ótica teológica do que cronológica em si mesma, tem muito a nos ensinar. Aqui,
não me delongarei na tratativa exegética do texto. Entretanto, desejo, com
brevidade, refletir com vocês o núcleo central dos trinta e um versículos componentes
do capítulo primeiro do Gênesis: o amor de Deus que, ao criar, manifesta a Sua
bondade ‘para’ e ‘em’ suas criaturas.
Por seis vezes, a perícope afirma
da bondade de Deus. E, justamente na sexta vez, quando depois de tudo criado,
inclusive o ser humano, ápice de tudo quanto foi feito por Deus, temos: “Deus
viu tudo o que havia feito. Eis que era muito bom” (Gn 1,31). Logo, Deus fala
de Si, enquanto bondade absoluta, na respectiva bondade de cada obra Sua; cada
uma com a sua dada perfeição como representação da perfeição absoluta de Deus.
Santo Tomás de Aquino, nas suas famosas ‘cinco provas’ acerca da existência de
Deus, também nos alude, como quarta evidência, que, por sua vez, tem como
parâmetroDeus como‘Ser Perfeito': “verifica-se
que há graus de perfeição nos seres, uns são mais perfeitos que outros,
qualquer graduação pressupõe um parâmetro máximo, logo deve existir um ser que
tenha este padrão máximo de perfeição e que é a causa da perfeição dos demais
seres” (AQUINO,
Tomás. Suma
Teológica. Parte
1, Questão 2, Artigo 3).
Anterior ao Doutor Angélico, o
grande Papa São Leão Magno, do distante e profícuo quinto século, como em
convite para louvar a Deus Criador, nos dirá: “Em todo tempo, amados filhos, a terra está repleta da
misericórdia do Senhor (Sl
32,5). A própria natureza é para todo fiel uma lição que o ensina a louvar a
Deus, pois o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe proclamam a bondade
e a onipotência de seu Criador; e a admirável beleza dos elementos postos a
nosso serviço requer da criatura racional uma justa ação de graças” (Sermo 6 de Quadragesima,1). Logo, contemplar
tudo quanto existe na natureza é um ato de engrandecimento ao Autor de toda a
sua exuberância.
E não somente isto, contemplar as maravilhosas obras de
Deus também põe o homem na sua justa medida em relação ao amor de que se nos é
derramado, inclusive no criado: “Quando contemplo o firmamento, obra de vossos
dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes:Que é o homem, digo-me então, para
pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com
eles?Entretanto, vós o fizestes quase igual aos anjos, de glória e honra o
coroastes.Destes-lhe poder sobre as obras de vossas mãos, vós lhe submetestes
todo o universo” (Sl 8,4-7). Esta centralidade na qual o ser humano está
inserido não deve ser encarada como o de dotado de uma negligência, como um
descuidado, ou mesmo de atitudes irresponsáveis no tratamento com o dom da
natureza que Deus nos deu. E sim como declaração de que tudo, absolutamente
tudo, foi colocado em nosso favor para a nossa aproximação contínua com Deus
através de Jesus Cristo, que se dá (é bem verdade!) pela redenção, e, portanto,
aperfeiçoamento de nossa condição. Pois, tal como nos diz o Apóstolo: “Sabemos
que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia. Não
só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós
mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo” (Rm 8,22-23).
O principal objetivo desta Campanha da Fraternidade será o
de incutir no homem atual a justa hermenêutica do que, também no proto-capítulo
do Gênesis, achamos estampado como ordem de Deus ao homem como custódio da
criação: “[…] enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre
as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra. Deus
disse: Eis que eu vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas as
árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam
de alimento. E a todos os animais da terra, a todas as aves dos céus, a tudo o
que se arrasta sobre a terra, e em que haja sopro de vida, eu dou toda erva
verde por alimento” (Gn 1,28-30). Dominar, submeter. Tais verbos, antes de
denotarem uma ideia de que o homem possa dispor do elemento criado de acordo
com a sua vontade, imprime-lhe no coração o seu grave dever de reger os bens
naturais com responsabilidade e cordura, nunca cedendo aos interesses
mesquinhos de destruí-los ou tratá-los com ingerência.
Mais uma vez, trago a lume o recorte do Hino Brasileiro
“Gigante pela própria natureza” para dizer-lhes que nós, brasileiros, temos
motivos mais que suficientes para reconhecer o poderio de Deus, Sua perfeição e
afeição. Logo, inspirados pela Campanha da Fraternidade deste ano, zelemos
pelos biomas brasileiros, “nossa casa comum”, e assim, correspondamos a Deus, o
Seu amor, o Seu trato por nós; que contemplando as Suas magníficas obras, os
harmoniosos bens naturais, possamos adorá-Lo, honrá-Lo. Amém.
(DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS - BISPO DIOCESANO)
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