A CONSCIÊNCIA DE SER POVO DE DEUS

 

              Para realizar seu desígnio na história dos homens, Deus escolheu um povo, ao qual se deu a conhecer por intermédio de enviados, e que foi o primeiro a ser chamado à fé. Entre outros povos, o Senhor pôs à parte somente Israel. A teologia da eleição é um dos aspectos distintivos do livro do Deuteronômio. Na perspectiva do Dt 7,7-8 a eleição de Israel não se fundamentava em sua grandeza ou poder, mas no amor gratuito de Deus e em sua fidelidade ao juramento feito aos seus pais. A eleição não é fruto da conquista humana, mas da pura graça divina. Por que esta predileção? Pertence ao mistério da liberdade divina e da graça.

            Israel ocupa um lugar à parte no meio das nações do antigo Oriente. Oriundo de patriarcas hebreus, formado na estepe do Sinai, sob a autoridade de Moisés, instala-se em Canaã, onde habitaram seus ancestrais. Aí, sob os primeiros reis, atinge o apogeu de seu poder temporal. Há ainda o prisma religioso. Nisso, distingue-se efetivamente de todos os seus vizinhos. Seu culto nacional tem por objeto o Deus único. Mais ainda, está cônscio de que sua história possui importância particular: por ela, Deus começa a realizar na terra seu desígnio de salvação. Vistos em Cristo, esses fatos conferem a Israel importância excepcional. Sua história faz parte da história sagrada, cujo centro Cristo ocupa.

            A fé israelita tem por fundamento o testemunho de homens inspirados. Abraão, Moisés e seus continuadores, posteriormente denominados profetas, têm consciência de haver recebido de Deus uma palavra que é mister comunicar aos demais homens. Importa pouco que esta intervenção de Deus em sua vida tenha constado de visões extraordinárias ou de inspirações íntimas, percebidas no fundo da consciência, este é apenas o lado exterior das coisas. O essencial é que a palavra divina assim recebida e comunicada sirva de fonte à fé. À base do que a religião de Israel apresenta de particular no meio das religiões circunvizinhas – a solidez de suas afirmações fundamentais, sua intransigência, seu progresso original e contínuo em meio às mais graves dificuldades – não se acha, pois, em uma tradição análoga àquelas de outros povos. A fé não nasceu espontaneamente de intuições da razão e do censo religioso, mas de uma revelação de Deus.

Compreende-se, do supradito, que o israelita vive numa atmosfera totalmente religiosa. Tudo lhe serve, de alguma maneira, de ocasião para entrar em relações com Deus, do que não resulta uma familiaridade irreverente para com as coisas divinas. Ao contrário, o sentimento da presença de Deus desperta nele um temor sagrado. Esse temor de Deus, o sentimento religioso fundamental, é a base da oração e da obediência à Lei. Deuteronômio 6,4 proclama solenemente a unidade de Javé, da qual procede para Israel a exigência de amá-lo “com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força” (Dt 6,5).

            O conhecimento de Deus, na linguagem bíblica, não é primariamente uma noção especulativa de Deus: ele inclui a aceitação de tudo o que ele significa, inclui o serviço a Deus, envolve o compromisso. O homem que conhece a Deus é aquele que vive na presença de Deus, aquele cujo conhecimento é uma norma de conduta. Esses decretos, mandamentos e ordenações não são um fardo pesado imposto de fora, mas são íntimos, interiores: “Porque este mandamento que hoje te ordeno não é excessivo para ti, nem está fora do teu alcance... a palavra está muito perto de ti: está na tua boca e no teu coração, para que coloques em prática” (Dt 30,11.14).

 

ADERVAL RODRIGUES FERREIRA

Seminarista do 4º ano de Teologia


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