Continuação do Resumo da carta Pastoral de D. Dulcênio Fontes de Matos


D. Dulcênio Fontes de Matos,
Bispo de Palmeira dos Índios

Ainda localizamos outra figuração da Eucaristia no Antigo Testamento, no livro do Êxodo, no episódio do envio do maná (cf. Ex 16). O povo, mergulhado na ingratidão de ter sido libertado da escravidão com a mão poderosa do Senhor, é capaz de trocar a sua liberdade por uma panela de carne e por uma fatia de pão. Logo, verdadeiramente, não reconhecem no Senhor o seu libertador e providente Deus.
Mesmo com as ingratidões do povo eleito, Deus promete a Moisés: “Vou fazer chover pão do alto do céu” (Ex 16, 4). Assim faz-nos recordar que, em seu amor, mesmo sendo retribuído com a indiferença do povo, Deus alimenta Israel com um alimento celeste. O atributo celeste designa a proveniência daquele alimento, não a sua natureza. O maná possui um sentido material – já que apenas saciou a fome estomacal dos hebreus transeuntes pelo deserto – por isso, é figura, a Eucaristia possui um sentido verdadeiro, espiritual porque alimenta o Povo da Nova e Eterna Aliança na pré-degustação do céu; ou seja, enquanto viandantes neste mundo, somos nutridos verdadeiramente pelo Pão que nos saciará na eternidade.
            O providentíssimo Deus, não achando suficiente saciar os hebreus apenas com pão chovido do céu, envia-lhes a tão ambicionada carne. Mas o que seria este alimento senão uma prefiguração da Eucaristia? Deus nos alimenta; não com carne de animais (como as codornizes), mas com a sua própria carne. É na experiência com a carne de Jesus - a mesma que foi crucificada - que contemplamos antecipadamente a sua glória: esplendor que se inicia na cruz, com seu divino corpo dilacerado, pregado no madeiro, e culmina com a sua ressurreição e ascensão, e que, para nós, já é prevista na Eucaristia: corpo sacramental de Jesus.
Também, no Antigo Testamento, temos a importância do vinho. Já no livro dos Salmos, encontramos: “Fazeis brotar a relva para o gado, e plantas úteis ao homem, para que da terra possa extrair o pão e o vinho que alegra o coração do homem, o óleo que lhe faz brilhar o rosto e o pão que lhe sustenta as forças” (Sl 103, 15). Nesta passagem, lemos que o vinho é fruto da terra, obra da criação. O fruto da videira é sinal de festa e anúncio da alegria, e, a partir daqui, já com Jesus, na instituição da Eucaristia na Última Ceia, traz-nos, de fato, a salvação, como veremos posteriormente. O vinho é também cálice de dor, pisado no lagar, que representa o sangue derramado pelo Servo Sofredor, como nos traz o profeta Isaías.
Nos episódios da vida de Elias é perceptível uma idealização da Eucaristia, ou pelo menos dos seus efeitos na vida dos comungantes. Em 1Rs 19, 5-8, temos o profeta Elias que, imediatamente após a manifestação de Deus no monte Carmelo contra os profetas de Baal, está ameaçado de morte por Jezabel, esposa de Acab, rei da Samaria. Entristecido e temeroso, o profeta ruma à Judá. E, no deserto, debaixo de um junípero, desejou a sua própria morte, adormecendo aí. Inesperadamente, Elias é acordado por um anjo que lhe ordena: “Levanta-te e come” (1Rs 19, 5). O tesbita obedece, come pão e torna a deitar-se, ao passo em que o anjo novamente ordena: “Levanta-te e come, porque tens um longo caminho a percorrer” (Ibidem, 7). E assim o fez. A partir disto, Elias andou quarenta dias até o Horeb. Na Eucaristia isto também acontece conosco: em Elias idealmente em vista do Pão Eucarístico. Nas aflições da vida, quando somos ameaçados pela força do mal que nos tenta afastar de Deus, que, enquanto não consegue, nos aterroriza e nos ronda, quando acreditamos estar abandonados a nossa própria sorte, somos convidados pelo próprio Senhor a nos alimentar por um pão oferecido por ele mesmo, tal como o anjo fez com o profeta Elias. 

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