HOMILIA DE D. DULCÊNIO FONTES DE MATOS POR OCASIÃO DO ANO DA FÉ

XXXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM - SOLENIDADE DE CRISTO REI DO UNIVERSO
(Ano C – 24 de novembro de 2013)
- Encerramento do Ano da Fé –
 
 
Queridos irmãos,
 
Com este domingo que, desde 1925, é conhecido como Solenidade de Cristo Rei do Universo, encerramos um terço do ciclo litúrgico trienal, o Ano C.  Com a solenidade de hoje, a Igreja quer ressaltar a soberana autoridade de Cristo sobre a humanidade e, com o contexto mais hodierno, sobre as instituições diante dos progressos do laicismo na sociedade. Prova disso, rezamos ao Pai na Oração de Coleta: “Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, Rei do Universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente”. A Igreja entende que muitas das desordens provocadas pelo laicismo ateu são consequentes das agitações provocadas pela escravidão do pecado. O pecado afasta o homem de Deus, fazendo com que a criatura humana olvide dos valores evangélicos, bases fundamentais da cultura ocidental.
O Apocalipse, por sua vez, nos apresenta o Cristo como “o Alfa e o Ômega”. Hoje, vislumbramos oportunamente este dizer da visão de São João. O próprio Jesus, Verbo eterno de Deus, por meio de         quem todas as coisas foram feitas e fim para o qual tudo ruma, é o Senhor de toda história. Ele possui os tempos nas mãos (chronos e kairós); é o centro da história e da humanidade. A volta do Senhor Jesus é uma promessa bastante citada na Sagrada Escritura, Ele que diz à sua Igreja, alentando-a: “Eis que venho em breve, e a minha recompensa está comigo, para dar a cada um conforme as suas obras” (Ap 22,12).
A liturgia de hoje, com seu teor escatológico, não pretende atemorizar o homem, antes disso, quer alargar em nosso coração a perspectiva do primado de Cristo, Ele, Senhor dos tempos e da eternidade. Neste domingo, a ‘Mãe Católica’ (no dizer de Santo Agostinho), antes de apresentar o Senhor como Juiz, apresenta-o como Rei Supremo e Universal. O julgamento do Senhor se embute na sua realeza.
O Papa Bento XVI, na Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo, no ano de 2008, afirma: “A realeza de Cristo é a revelação e atuação da realeza de Deus Pai, o qual governa todas as coisas com amor e justiça. O Pai confiou ao Filho a missão de dar aos homens a vida eterna até ao sacrifício supremo, e ao mesmo tempo conferiu-lhe o poder de os julgar, a partir do momento que se fez Filho do Homem, em tudo semelhante a nós” (Papa Bento XVI. Ângelus, 23 de novembro de 2008).
Queridos irmãos e irmãs, o Evangelho desta Solenidade revela um diferencial no Reino do Cristo: enquanto que os reinos da terra se arrogam falsamente na opulência, na violência, na força, o Reino de Deus manifesta-se na fragilidade, na mansidão, na paz. Contemplando o Rei dos reis crucificado, sabemos, pelo Evangelho de hoje, que a cruz de Cristo é o seu trono glorioso; glória que se traveste no luto, na dor, na miséria frutífera que leva todo o mundo à salvação. Lembremos-nos do que disse o próprio Jesus ao seu respeito quando de sua vida pública e de Seu Reino, inaugurado com a Sua bendita Encarnação: “O Reino de Deus chegou! Está entre vós!” (cf. Mt 12,28; Lc 17,21). A lógica do Reino infindável de Cristo necessariamente perpassa pela glorificação de Deus na salvação do homem, tal como Santo Irineu dirá: “A Glória de Deus é o homem vivente”, não se restringindo às consequentes e insanas considerações dos néscios do mundo: “Se és Rei […], salva-te a ti mesmo” (Lc 23,37). Como poderia salvar-se O que se fez pecado para extinguir o pecado dos pecadores? Como poderia salvar-se o que traria o remédio irreversível ao homem, Ele que veio sanar os doentes (cf. Mt 9,12), que “veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10)?
O Reino de Deus, inaugurado pelo Cristo, quando da Sua Páscoa Redentora, quando o véu do Templo se rasga e nos dá acesso às realidades divinas, está reservado para o que se reconhece fraco, miserável, consciente de si, mas não para em si mesmo, mas implora de Deus o favor, por isso disse aquele a quem vulgarmente denominamos ‘bom ladrão’: “Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal” (Lc 23,41). Confesso, caros irmãos, que ao ter diante de mim tal fala deste homem a quem a tradição chama de Dimas, recordei-me do salmo: “Quem será digno de subir ao monte do Senhor? Ou de permanecer no seu lugar santo? O que tem as mãos limpas e o coração puro, cujo espírito não busca as vaidades nem perjura para enganar seu próximo” (Sl 23,3-4). Percebam que o que adentra no convívio divino é o que se faz límpido, puro, simples, verdadeiro. E vocês podem questionar-me: - Como, senhor Bispo, este homem, criminoso público, fez-se em tais atributos? Respondo: a partir do momento em que ele abre-se ao Rei estendido no trono da cruz e, arrependido, pede-lhe guarida, com as mãos limpas pela humildade, com o interior purificado pelo toque do Sangue do Senhor que tudo torna imaculado, cônscio de suas misérias e sobre quem de fato é, não embrenhado na mentira, e, principalmente com o desejo de ser melhor. Eu garanto a vocês, a partir da garantia dada a ele por Jesus na cruz (“Ainda hoje estarás comigo no Paraíso”), os poucos instantes de vida que lhe restaram foram vividos na intensidade da graça que o Cristo lhe proporcionou pelo perdão de suas faltas, de seus crimes. Daí, Santo Ambrósio elucidar: “Dá-se aqui um admirável exemplo de verdadeira conversão, pelo que se concede tão prontamente ao ladrão o perdão de suas culpas. O Senhor perdoou-lhe imediatamente, porque também de imediato ele se converteu: a graça é mais poderosa do que a súplica. O Senhor concede sempre mais do que o que se pede: o ladrão só pedia que se lembrasse dele, entretanto o Senhor lhe disse: ‘Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso’. A vida consiste em habitar com Jesus Cristo, e onde está Jesus Cristo ali está o seu Reino”. E o salmo do qual fizemos recordação continuará: “Este terá a bênção do Senhor, e a recompensa de Deus, seu Salvador. Tal é a geração dos que o procuram, dos que buscam a face do Deus de Jacó” (Sl 23,5-6).
Mas, qual a bênção que o salmo garante ao que assume as posturas do ‘bom ladrão’? O ingresso no Reino eterno do Cristo. Para que bênção maior e tão plena? Vejam: ao pedido do ladrão para que Jesus se recordasse dele no Seu Reino, o Divino e Justo Juiz, majestoso em Sua cruz, garante solenemente (por isso, começar a sua fala com ‘Em verdade vos digo’): “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso”. O Céu, portanto, meus irmãos, é o lugar eminente do Reino de Cristo que abrangerá o mundo, restaurado Nele. Daí, o Reino de Cristo ser igualmente chamado de Reino dos Céus, já presente neste nosso tempo pelo Sacramento da Igreja. O Apóstolo dos Gentios, São Paulo, diz-nos: “O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo” (Rm 14,17). É a máxima recompensa que nos advém com a salvação; é o amor de Deus no qual estaremos totalmente imersos, por tal motivo, ser Paraíso um dos sinônimos para este coabitar com Deus, para este inserir-se totalmente no seu amor. É justiça porque fomos justificados para adentrarmos aí; é paz e alegria porque são estados de espírito que nos preencherão por toda uma eternidade. Isto é o Reino de Deus, onde com Cristo reinaremos por todo o sempre.
O Senhor é Rei. Pela fé, o ‘bom ladrão’ o reconhece, pela fé também o reconhecemos como tal. A fé que converte o nosso olhar para o Crucificado na expectativa do Ressuscitado. Pela fé o nosso olhar se volta para a cruz do Senhor sendo sabedores da Sua vitória, totalmente diferente do conceito de vitória de um mundo imediatista, relativista, que prima pelas aparências. Se a fé é um sentimento e muito mais do que isso uma virtude que a Igreja sempre teve em realce, no proclamado Ano da Fé que ora encerramos, ela foi trabalhada em nossas pregações, em nossos encontros, em nossa vivência eclesial pela catequese, inclusive pelo aprofundar-se nas verdades de fé deixadas pelo Senhor e custodiadas pela Igreja-Esposa. Fé e Salvação. Uma realidade que imbrica a outra e vice-versa, pois à medida que, num movimento crescente, acreditamos no Cristo, por Ele somos salvos, ao tempo em que, à medida que somos salvos, maiormente deve urgir em nós a fé. “A fé em Cristo salva-nos, porque é Nele que a vida se abre radicalmente a um Amor que nos precede e nos transforma a partir de dentro, que age em nós e conosco” (Lumen Fidei, 20). Tal explanação do Papa Francisco une três realidades, ou seja, duas virtudes teologais (porque têm como origem, motivo e objeto o próprio Deus), a fé e o amor, tendo-as como única trilha para a salvação, que é a nossa meta: duas virtudes que nos levam à uma finalidade. Em outras palavras, dizemos: a fé e o amor nos levam à esperança da salvação. Se o amor é a maior das virtudes segundo a teologia de São Paulo (cf. 1Cor 13,13), a fé é a virtude raiz para as outras duas e que nos impulsiona para o nosso ser em Deus. E, continua o Santo Padre: “Podemos assim compreender a novidade a que a fé nos conduz. O crente é transformado pelo Amor, ao qual se abriu na fé; e, na sua abertura a este Amor que lhe é oferecido, a sua existência dilata-se para além dele próprio. […] Na fé, o ‘eu’ do crente dilata-se para ser habitado por um Outro, para viver num Outro, e assim a sua vida amplia-se no Amor” (Lumen Fidei, 21). Pela fé que gera o amor, Cristo habita em nós e nós Nele. Conformados Nele, seremos reconhecidos como Ele: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). É para sermos mais parecidos com Jesus, para vivermos Nele e para que o mundo seja restaurado pelo Seu Reino (já que dizemos no Pai Nosso: “Venha nós o vosso Reino”), é que somos chamados a crescer na fé. E serão estes demonstrativos um palpável fruto eminente do Ano da Fé que hoje pomos termo. Encerramos o Ano da Fé, e como estará a fé dos cristãos após esta iniciativa da Igreja de debruçar-se catequeticamente sobre si mesma e sobre aquilo que acredita?
         Queridos irmãos e irmãs, pela fé, já alcançamos o que não vemos. O Reino de Cristo, embora tente ser turvado pelas ojerizas que o mundo lhe faz, pelas maldades que se abatem sobre o mundo, pelas tentações diversas aos concidadãos do Reino dos Céus, não é visto em sua completude, mas pela Igreja sabemos, cremos que ele existe e está operante. Pela fé, que Cristo Senhor, Rei do Universo, inicie o seu reinado em nossa vida, conformando-a inteiramente a Dele. Que lhe sejamos submissos. Ele que é bendito e já reina para sempre. 
          O Papa Francisco nos diz que a Mãe do Senhor é ícone perfeito da fé, como dirá Santa Izabel: “Feliz de ti que acreditaste” Lc 1,45 (Lumen Fidei, 58).
          Concluo com as palavras do Papa Francisco: “ A Maria, Mãe da nossa fé, nos dirigimos, rezando-lhe:
          Ajudai, ó Mãe, a nossa fé.
          Abri o nosso ouvido à Palavra, para reconhecermos a voz de Deus e a sua chamada.
          Despertai em nós o desejo de seguir os seus passos, saindo da nossa terra e acolhendo a sua promessa.
         Ajudai-nos a deixar-nos tocar pelo seu amor, para podermos tocá-Lo com fé.
         Ajudai-nos a confiar-nos plenamente a Ele, a crer no seu amor, sobretudo nos momentos de tribulações  e cruz, quando nossa fé é chamada a amadurecer.
         Semeai, na nossa fé, a alegria do Ressuscitado.
        Recordai-nos que quem crê nunca está sozinho.
        Ensinai-nos a ver com os olhos de Jesus, para que Ele seja luz no nosso caminho. E que esta luz da fé cresça sempre em nós até chegar aquele dia sem ocaso que é o próprio Cristo,  vosso Filho, nosso Senhor”.
            Amém        
 
 
     
                            
      
 

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